quinta-feira, 25 de agosto de 2022

DECADÊNCIA E PEDIDO ADMINISTRATIVO JUNTO AO INSS

[trecho de memoriais apresentados ao TRF da 4ª Região em mar/2022]

 

1. Segurança jurídica 

A título introdutório, vale lembrar que um direito fundamental justifica os prazos decadenciais: a segurança jurídica. É certo que existem outros direitos fundamentais, de forma que é preciso sempre usar de ponderação. O que não se pode é perder de vista a segurança jurídica. Conforme bem lembrado em recente decisão da TNU ... 

A existência de prazos para o exercício de direitos é um corolário do princípio da segurança jurídica, essencial à estabilidade das relações jurídicas, especialmente, nos casos concernentes à impugnação de atos da Administração Pública. Como bem destacado por Bernard Pacteau, não se trata de uma simples defesa do interesse administrativo, mas uma exigência do interesse social geral e, mesmo, dos particulares relacionados ao caso. (TNU, PUIL 0510396-02.2018.4.05.8300/PE, Relator Juiz Federal Fabio De Souza Silva, julg. 09/12/2020) 

A pacificação das relações, em nível mundial, tornou-se algo urgente nos últimos anos.

A decadência extingue direitos potestativos. O direito potestativo que se submete ao prazo do art. 103 da Lei n. 8.213/1991 é o direito de pedir (ou deflagrar) a revisão do ato de concessão de um benefício previdenciário. Há direitos que somente podem ser exercidos pela via judicial e outros, como o de deflagrar a revisão, que podem ser exercidos tanto diretamente como por meio de ação judicial. Questiona-se se um anterior pedido de revisão interrompe o prazo decadencial a ser aplicado na data de pedidos posteriores. A solução está na lei. O art. 207 do CC/2002 diz que “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”. 

Exercido o direito de pedir a revisão dentro dos 10 anos, a resposta pode validamente ser dada posteriormente, pois é apenas o direito de requerer a revisão que está sujeito à decadência. É na data do pedido, de cada pedido, que se avalia a ocorrência da decadência. Assim, caso o titular do direito necessite, por qualquer razão, fazer novo pedido de revisão, será na data deste que a ocorrência da decadência deverá ser avaliada, sem qualquer influência do pedido anterior ou de seu resultado. O prazo decadencial é peremptório e a observância do prazo deve ser avaliada em cada tentativa de exercício do direito. O exemplo, corriqueiro nos tribunais, da segunda ação rescisória enfrentar o óbice da decadência mesmo que a primeira tenha sido tempestiva, prova a exatidão desse raciocínio. 

Permitir o exame do mérito de pedidos sujeitos à decadência, depois de esgotado o prazo, atenta contra a estabilidade das relações jurídicas e dificulta a almejada pacificação (CRFB/1988, art. 5º).

 

2. O art. 103 da Lei 8.213/1991: texto em vigor e sentido 

A norma em exame, na redação resultante da decisão do STF na ADI 6096, é esta: 

Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. 

(Redação dada pela Lei 10.839/2004, última anterior à da Lei 13.846/2019, esta declarada inconstitucional pelo STF, ADI 6096, Rel. Min Edson Fachin, Pleno, por maioria, julg. 13/10/2020) 

Em casos como o dos autos, em que a parte autora pede a revisão de um benefício deferido, não seria necessário ingressar na discussão sobre a existência de prazo para revisão do ato que indefere o benefício. 

Cabe frisar: o caso dos autos não envolve benefício indeferido. 

Contudo, uma das teses mencionadas pelo acórdão que suscitou o Incidente vai no sentido de que, quando o artigo fala em “dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”, poderia estar se referindo à decisão indeferitória de um pedido de revisão. 

No entanto, nada no art. 103 indica que ele possa estar tratando do prazo para revisar a decisão de um pedido de revisão. Observe-se que o artigo começa falando do prazo “para a revisão do ato de concessão” e ele não muda de assunto. Caso passasse a tratar de outro tema, teria de ser explícito como, aliás, o foi o legislador na Lei 13.846/2019. Ocorre que esta foi declarada inconstitucional pelo STF, em decisão transitada em julgado (ADI 6096). Não fosse assim, caberia ao INSS cumpri-la, desde a sua entrada em vigor. O que não se pode é mudar o sentido das palavras da lei para criar regra no sentido de que o prazo decadencial, para pedir a revisão de benefício concedido e implantado, admite interrupção e reinício do zero. Para isso seria preciso lei. 

Não há, atualmente, previsão de que a decisão de indeferimento um pedido de revisão, formulado tempestivamente, confira ao segurado mais 10 anos para ingressar com ação em juízo no intuito de revisar o ato de concessão antes questionado. Isso seria, literalmente, uma interrupção do prazo, hipótese vedada pelo CC/2002, art. 207, para os prazos decadenciais, ressalvada expressa determinação legal. 

Por essa razão, deve ser rejeitada a tese que afirma que a ciência da decisão indeferitória definitiva de um pedido de revisão de um benefício em manutenção é o marco para a contagem de um novo prazo decadencial de 10 anos.

 

3. Lei 8.213/1991, art. 103: prazo decadencial 

Um prazo segue as regras da decadência quando o legislador diz que ele é de decadência. Esse foi o princípio adotado pelo legislador do CC/2002, a fim de dar operabilidade às regras e afastar a “possibilidade de alarmantes contradições jurisprudenciais” (Miguel Reale). De fato, quando o legislador diz que o prazo é de certo tipo, descabe invocar critérios teóricos para classificá-lo e aplicá-lo de outra forma. 

Além do mais, é pacífico nos tribunais superiores que o prazo do art. 103 da Lei 8.213/1991 é de decadência, o que dispensa outros argumentos sobre o ponto. Basta citar dois dos precedentes mais importantes sobre o tema: STJ, REsp 1.648.336/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 04/08/2020; e STF, RE 626.489/SE, Min. Roberto Barroso, Plenário, julg. 16/10/2013.

 

4. Consequências do exercício do direito de pedir a revisão. Lei 8.213/1991, art. 103 e CC/2002, art. 207 

Neste tópico, o INSS trata de uma das teses referidas pelo acórdão que suscitou o Incidente, a qual diz: 

... Se o segurado provoca a administração para obter a revisão do ato de concessão do benefício, há o exercício do direito substancial que afasta a decadência, caso a data do requerimento seja anterior ao prazo de dez anos, contado do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação. 

O INSS discorda da tese no ponto que afirma que o pedido administrativo de revisão “afasta a decadência”. O fato de o segurado estar na titularidade do direito de pedir a revisão na data em que protocolou um pedido, ou seja, de ainda não ter dele decaído, implica simplesmente isto: que o óbice da decadência não é aplicável àquele pedido. O termo final do prazo decadencial, porém, não se altera para novos requerimentos. 

Nada tem efeitos sobre os prazos de decadência, ressalvada previsão legal expressa. Esse tipo de prazo é inexorável e peremptório. Uma vez ocorrido o fato previsto para identificar o termo inicial, conhece-se o termo final, que jamais se altera. Cabe ao titular do direito potestativo exercê-lo antes do termo final. 

Em que consiste o direito sujeito à decadência de que trata o art. 103 da Lei 8.213/1991? É o direito potestativo de pedir a revisão. O segurado não revisa, ele pede a revisão. Por essa razão, o acolhimento do pedido e a realização da revisão podem ocorrer depois de esgotado o prazo decadencial, sem qualquer ofensa à lei. 

Em vez de “direito potestativo”, possivelmente seja mais claro falar simplesmente em “poder”. Por exemplo: o proprietário tem o direito potestativo de alienar, isto é, ele tem o poder de alienar. Quando há prazo decadencial estabelecido, até o final do prazo o titular pode validamente exercer seu poder legal. Esgotado o prazo, ele não detém mais o poder de antes. O segurado tem o poder de pedir a revisão do ato de concessão do benefício previdenciário durante 10 anos. Se faz o pedido dentro dos 10 anos, faz o pedido quando tem o poder de fazê-lo. O pedido feito após 10 anos é feito por um segurado que não tem o poder para tanto. Caso o segurado faça duas vezes o pedido — a primeira vez quando tem poder e a segunda quando não o tem — o primeiro pedido não tem efeito algum sobre a sorte do segundo. É irrelevante, para saber se o segurado ainda tem o poder de pedir a revisão, o fato de o primeiro pedido ainda não ter sido decidido ou de ser decidido de forma com a qual o segurado não concorda. É necessário que cada pedido seja feito quando o segurado tem o poder de fazê-lo, embora a resposta não necessite ser dada dentro do mesmo prazo. 

Observação: O direito potestativo de pedir a revisão do ato de concessão do benefício não deve ser confundido com os direitos constitucionais de ação e de petição para provocar a jurisdição ou a administração (CRFB/1988, art. 5º, XXXIV e XXXV). Por exemplo: digamos que o INSS tenha concedido 1.000.000 de benefícios em 2010. Todos os beneficiários têm direito, até 2020, de buscar a revisão e ver seu pedido analisado, mesmo que a concessão tenha sido perfeita. Mas, em 2021, não podem pedir a revisão? Podem formular o pedido, em razão dos direitos constitucionais de ação e de petição. Mas a análise de cada pedido deve parar na constatação da decadência. 

As formas de exercer o direito potestativo (requerer a revisão) são o exercício direto junto ao INSS ou o exercício por meio do Judiciário, com citação do INSS. 

Esse direito pode ser exercido mais de uma vez? Parece evidente que sim. Quem tem o direito pode exercê-lo quantas vezes quiser e por todas as formas disponíveis, desde que não tenha decaído do direito e não existam outros obstáculos, como por exemplo a coisa julgada. Basta lembrar que, na esfera administrativa, para cada novo motivo de revisão pode haver um novo pedido administrativo. Nada obstante, a decadência é única, somente ocorre uma vez, e fulmina o direito de pedir a revisão por qualquer motivo, mesmo que envolva questões não decididas no ato de concessão (Tema 975/STJ). 

O exercício do direito de deflagrar a revisão, portanto, não é consumido pelo seu uso. Nas palavras de Agnelo Amorim Filho ... 

... No máximo, a pessoa que sofre a sujeição pode, em algumas hipóteses, se opor a que o ato seja realizado de determinada forma, mas nesse caso o titular do direito tem a faculdade de exercê-lo por outra forma. Ex.: divisão judicial, quando os demais condôminos não concordam com a divisão amigável. (Agnelo Amorim Filho, Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis, 1961) 

Quando um direito admite mais de uma via ou forma de exercício, o titular pode exercê-lo por ambas? Sim. O direito potestativo é um poder de seu titular. A menos que a lei apresente disposição em contrário especificamente em relação a determinado direito, o seu titular pode exercê-lo por todas as vias disponíveis, inclusive ao mesmo tempo. 

No caso de um direito que somente possa ser exercido por meio de ação judicial, esta não pode ser novamente proposta caso tenha se formado coisa julgada. Nesse caso, a incidência da decadência não é aparente, porque há o óbice da coisa julgada, o que torna inviável e desnecessário tratar da questão da decadência no segundo processo. Por outro lado, se houver extinção sem julgamento do mérito, o pedido pode novamente ser levado a juízo. Nesse caso, em cada provocação, será preciso verificar se ocorreu ou não a decadência. 

Para chegar a uma conclusão segura sobre o ponto, basta raciocinar com o exemplo de duas ações judiciais. Considere-se um primeiro pleito judicial, iniciado quando o autor ainda não havia decaído do direito, e extinto sem julgamento do mérito. O autor pode fazer o pedido (exercer o direito) outras vezes. Depois de escoado o prazo decadencial, o autor volta a formular o pedido em juízo. Ora, caso se aceite alguma interferência da primeira propositura sobre a fluência do prazo decadencial aplicável na data do segundo pedido (segundo exercício do direito), haverá violação frontal da regra do CC/2002, art. 207, que diz que o prazo decadencial não se interrompe nem suspende. 

Cabe demonstrar de forma cabal que a ocorrência da decadência deve ser avaliada de modo autônomo em cada ato de exercício do direito. O exemplo da Ação Rescisória é bastante didático para esse fim. Sabe-se que o prazo para a propositura de ação rescisória é decadencial (CPC/2015, art. 975). Eventual exercício em data anterior não tem influência alguma sobre a verificação da decadência em uma segunda propositura da ação (novo exercício do direito). Exercido o direito tempestivamente, a decisão pode ser posterior ao termo final do prazo decadencial. 

Suponha-se, agora, que a ação rescisória veio a ser extinta sem julgamento do mérito, quando passados três anos do trânsito em julgado do processo originário. Poderá o autor propor novamente a ação rescisória? Como a primeira foi extinta sem julgamento do mérito, a coisa julgada não o impede. A decadência, contudo, deverá ser decretada. É pacífico que a citação após o escoamento do prazo não afasta a decadência, exceto se ocorrer por “motivos inerentes ao mecanismo da justiça” (Súmula 106/STJ). Ora, se em uma mesma relação jurídica processual a decadência pode ocorrer em razão da demora na citação, com muito mais razão quando uma nova relação jurídica processual é iniciada após escoado o prazo decadencial. 

E se nem mesmo a ação judicial tem efeitos sobre o fluxo do prazo decadencial (como no exemplo da ação rescisória), certamente não será o requerimento administrativo que terá tal efeito. Repita-se, porém, que a decisão na própria relação processual não está sujeita a prazo decadencial. 

Cada pedido deve ser avaliado quanto à sua tempestividade de forma completamente independente de outros pedidos que eventualmente tenham sido feitos. 

A decadência é exigência do interesse social geral na segurança jurídica. Ela produz ... 

... a extinção do direito em virtude do fato objetivo da passagem do tempo, excluindo geralmente qualquer consideração relativa à situação subjetiva do titular. A caducidade implica, portanto, o ônus do exercício do direito exclusivamente no prazo previsto na lei.[1] (Andrea Torrente e Piero Schlesinger, Manuale di diritto privato, 1999, p. 147) 

Ou seja, ou o titular se vale do direito antes do termo ou o perde, decai dele. O Pleno do STF já reconheceu, inclusive, que o termo final do prazo decadencial não é prorrogado nem mesmo quando recai em final-de-semana e o exercício do direito depende de ação judicial  (cf. STF, Pleno, AR 1.681-8/CE, Rel. p/ ac. Min. Ellen Gracie, DJU 15/12/2006). 

O exercício do direito potestativo nem sempre leva ao resultado pretendido, por razões formais ou de mérito. Isso faz com que o titular tenha de exercer o direito novamente (pedir novamente a revisão) e para tanto deve respeitar o termo final do prazo decadencial, que jamais se altera. Frustrado o primeiro pedido, eventual novo pedido somente pode ser feito se o prazo original ainda não houver se esgotado. A questão foi enfrentada pelo Tribunal Supremo de España, que com clareza decidiu: 

E se o procedimento no qual se usou esta [ação ou direito] não era adequado, ainda que seu exercício tenha sido realizado dentro do prazo de decadência, uma vez que não foi utilizada ADEQUADAMENTE no tempo, a ação caduca, a menos que antes do término do prazo que exista, interponha-se novamente pelo procedimento que realmente lhe corresponda. (Sentença de 26/06/1974, citada por Manuel Albaladejo, Derecho Civil I, 2002, p. 931) [2] 

O precedente, trazido em obra doutrinária do catedrático de Madri, aplica-se perfeitamente aos casos, muito comuns, de pedido frustrado em uma via e nova busca do exercício por outra. Caso resolva valer-se de outra via, o titular deve necessariamente fazê-lo antes de decair do direito. No caso do art. 103, não custa lembrar, trata-se de um prazo de 10 anos. 

O mesmo ocorre na hipótese de uma segunda ação judicial, proposta depois de a primeira ter sido extinta sem julgamento do mérito: se a propositura ocorrer depois do término do prazo decadencial original, o processo deve ser extinto por esse motivo. A jurisprudência parece estar pacificada nesse sentido, conforme demonstram os julgados a seguir, dos quais o INSS transcreve apenas o essencial: 

... os recorrentes apontam violação do art. 486 do CPC/2015, argumentando pela possibilidade do ajuizamento de nova demanda quando a anterior foi extinta sem a resolução do mérito. ... O recurso não comporta provimento. ... o prazo para ajuizamento de ação rescisória é decadencial e, como tal, não sofre os efeitos interruptivos pelo ajuizamento de demanda anterior. (STJ, AREsp 1651637/SP, Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, 28/08/2020) 

Através de despacho datado de 02/10/2007, o processo foi arquivado, tendo o Apelante distribuído estes autos tão somente em 20/07/2010, quase 03 (três) anos depois. "O prazo decadencial não se suspende, não se interrompe, nem pode ter seu curso impedido de prosseguimento, consoante orientação jurisprudencial e doutrinária já anteriores ao Código Civil atual, que consolidou essa orientação no artigo 207". Esse é o entendimento proferido pelo eminente Relator Paulo Paim da Silva, quando do julgamento da Apelação Cível nº 0003884-39.2015. 04.9999, in verbis: [...] In casu, verifica-se que o benefício do Autor a que se pretende revisar foi concedido em 11/09/96, portanto, tem-se que o prazo decadencial de dez anos se esvaiu entre a vigência da mencionada lei, ou seja, 28/06/1997, e o ajuizamento da presente ação em 20/07/2010, motivo pelo qual se impõe o reconhecimento da decadência do direito. (TJBA, AC 0059873-64.2010.8.05.0001, Des. Baltazar Miranda Saraiva, 5ª Câm. Cível, unânime, julg. 31/01/2017) 

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO DECADENCIAL. AJUIZAMENTO ANTERIOR EM TRIBUNAL INCOMPETENTE. INTEMPESTIVIDADE. 1. É de 2 (dois) anos o prazo para a propositura da ação rescisória, contados do trânsito em julgado da decisão rescindenda (art. 495 do CPC). Trata-se de prazo decadencial que não se suspende nem se interrompe. 2. A propositura de ação rescisória em Tribunal incompetente não tem o condão de suspender nem de interromper o prazo decadencial para fins de novo ajuizamento. 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento. (STJ, EDcl na AR n. 5.366/SP, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/6/2014, DJe 17/6/2014) 

Também nesse sentido: STJ, AR 3.270/RJ; AgRg no AREsp 616.979/SP. 

E caso a primeira ação demore para ser decidida, de forma que sua decisão venha a ocorrer quando o prazo decadencial tiver transcorrido completamente, de nada adiantará ingressar com o mesmo pedido, nem mesmo se a causa de pedir for outra.


5. Conclusão

O exercício anterior de um direito não interfere no prazo decadencial em curso. O titular do direito somente pode fazer novo uso dele no prazo remanescente, se houver.

---------------------

NOTAS

[1] No original: ... l’estinzione del diritto in virtú del fatto oggettivo del decorso del tempo, esclusa, in genere, ogni considerazione relativa alla situazione soggettiva del titolare. La decadenza implica, quindi, l’onere di esercitare il diritto esclusivamente entro il tempo prescritto dalla legge.

[2] No original: Y si el procedimiento en que se usó ésta no era el adecuado, aunque su ejercicio se haya realizado dentro del plazo de caducidad, puesto que no se usó en tiempo ADECUADAMENTE, la acción caduca, a menos que antes dei vencimiento del plazo que sea, se interponga de nuevo en el procedimiento que realmente corresponda (sentencia de 26 junio 1974).

 

domingo, 13 de março de 2022

SOBRE A PUBLICAÇÃO DE 'THE INTERPRETATION OF COURT OPINIONS'


Em fevereiro de 2022, a revista jurídica Canadian Journal of Law & Jurisprudence: An International Journal of Legal Thought publicou meu artigo The Interpretation of Court Opinions. Aproveito para registrar algumas observações sobre o processo de pesquisa, escrita e publicação.

     Decidi escrever sobre a interpretação de decisões judiciais quando percebi a carência de uma base teórica especifica para essa atividade tão comum para autor, réu e juiz. Quando surgem dúvidas interpretativas, o que ocorre com mais frequência é o uso de máximas, princípios e teorias voltados à interpretação das leis ou da Constituição. Penso que a decisão judicial como decisão do caso (não me refiro àquela decisão consagrada como precedente judicial e justifico essa opção no artigo) é um texto que tem características que o diferenciam das leis e da Constituição. Quando surgem controvérsias sobre a interpretação de uma decisão judicial, é preciso saber o que serve de fundamento para a defesa de um determinado significado.

     No texto, faço um breve levantamento da posição alcançada até agora na discussão da interpretação jurídica (da qual a interpretação judicial é uma espécie) e questiono até que ponto cada corrente interpretativa é válida para a interpretação de decisões judiciais. O tema envolve questões de Filosofia do Direito, Filosofia da Linguagem e, mais especificamente, interpretação e raciocínio jurídico. A partir daí, chego à minha tese. Espero que ela traga elementos novos, que sejam incorporados às discussões sobre interpretação jurídica.

     Foi recompensador receber a notícia da seleção e, mais recentemente, ver o artigo publicado. Todo processo foi um grande desafio para mim. O debate entre as diferentes escolas interpretativas é um dos mais vívidos do mundo jurídico. Dar um passo a mais nesse grande debate e trazer para ele a questão da interpretação das decisões judiciais não foi tarefa fácil. Outro desafio foi escrever diretamente em uma língua estrangeira. O processo de seleção foi rigoroso e enriquecedor. Publiquei, inicialmente, uma versão preliminar, sem peer review, no portal SSRN. Ali percebi o interesse de um grande número de leitores, o que me incentivou a submeter o artigo a uma revista jurídica internacional. Na primeira submissão, os avaliadores apontaram diversos problemas no artigo e o devolveram para correções. O trabalho de correção aprofundou-se e acabei por reescrever completamente o texto. Isso levou quase um ano. Submetido o novo texto, ele foi aprovado em pouco tempo. Depois da aprovação, a publicação demorou mais um ano e finalmente ocorreu agora, em fevereiro de 2022. 

     É importante para mim que a publicação tenha sido por uma revista criteriosa e consagrada como a Canadian Journal of Law & Jurisprudence: An International Journal of Legal Thought. Senti a necessidade de escrever em inglês para atingir um público maior. O tema não tem como foco a legislação de um país específico, portanto fazia sentido buscar ultrapassar as fronteiras nacionais. Além disso, o tema recomendava publicar em uma revista de jurisprudence (termo que corresponde, aproximadamente, a Filosofia do Direito, do curso de Direito). Também era desejável que fosse uma revista respeitada e com peer review bem organizado. As revistas de jurisprudence com tradição não são muitas. Nesse contexto, a Canadian Journal of Law & Jurisprudence, editada pela Cambridge University Press, pareceu-me uma excelente opção. 

     No futuro, pretendo trazer para esse debate questões gerardas pelo uso inteligência artificial na elaboração e leitura das decisões judiciais. Não foi possível tratar delas no artigo recém-publicado, mesmo que elas podem representar um desafio às conclusões do artigo. Haveria o risco de perder o foco ao ingressar nesse novo universo. Além do que, o artigo ficaria muito longo. Essas e outras inovações são um incentivo para escrever mais sobre o tema.

     Clique aqui para ler o artigo na íntegra.


quinta-feira, 17 de setembro de 2020

AGU confirma isenção de Taxa Única de Serviços Judiciais ao INSS no RS

1. Reproduzo matéria do sítio da AGU:

AGU confirma isenção de Taxa Única de Serviços Judiciais ao INSS no RS

A decisão gera celeridade processual e otimiza a força de trabalho dos advogados públicos

 Advocacia-Geral da União (AGU) confirmou, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é isento da Taxa Única de Serviços Judiciais em processos contra a autarquia que tramitam na Justiça Estadual. A decisão que uniformiza o entendimento gera celeridade processual e otimização da força de trabalho dos advogados públicos.

 Em 2014, a Assembleia Legislativa gaúcha aprovou uma lei que criou a Taxa Única de Serviços Judiciais para todos os atos processuais no Estado. No entanto, essa legislação isentou a União, Estados, Municípios, Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações do pagamento da taxa.

Mas havia controvérsia na aplicação da Lei em casos envolvendo o INSS. Em primeira instância, alguns juízes condenavam a autarquia a pagar metade e até o valor integral da taxa. Por isso, a AGU pediu a instauração de incidente para que o TJRS uniformizasse o entendimento, o chamado IRDR - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

 A Advocacia-Geral defendeu que a isenção do pagamento da Taxa Única de Serviços Judiciais concedida aos entes públicos pela lei estadual, aplica-se em todos os processos em que forem partes, seja na condição de autores ou réus.

Por unanimidade, o Órgão Especial do TJRS acolheu o pedido da AGU e reconheceu que o INSS tem direito à isenção da Taxa Única de Serviços Judiciais. Agora, todas as Comarcas do Estado precisam seguir essa determinação.

O Procurador Federal Clóvis Kemmerich, do Núcleo de Ações Prioritárias em Matéria Previdenciária da Procuradoria-Regional Federal da 4ª Região, explica que, antes dessa decisão, o INSS precisava recorrer de milhares de processos apenas em razão da condenação em custas, mesmo concordando com o mérito do julgamento. Segundo ele, isso reduzia o tempo de atuação em assuntos mais importantes, tanto para os órgãos da AGU, quanto para o Judiciário. “A importância desse caso, para além da repercussão financeira, que precisa ser calculada, está, antes de tudo, na uniformização do entendimento. O que vinha ocorrendo antes era a adoção, de forma repetida, de entendimentos divergentes. Alguns condenavam o INSS ao pagamento de custas pela metade, outros o condenavam às custas por inteiro e outros reconheciam a isenção de custas. Com o julgamento, o que se ganha é economia e celeridade processual”, avalia Kemmerich.

 NP

 Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 70081401986 - TJ- RS

Fonte: https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-confirma-isencao-de-taxa-unica-de-servicos-judiciais-ao-inss-no-rs, em 17/09/2020

 

2. Destaco a proclamação do RESULTADO e trechos do ACÓRDÃO:

 

"À unanimidade, acolheram o incidente de resolução de demandas repetitivas com fixação da seguinte tese: A ISENÇÃO DO PAGAMENTO DA TAXA ÚNICA DE SERVIÇOS JUDICIAIS INSTITUÍDA PELA LEI 14.634/2014, CONCEDIDA AOS ENTES PÚBLICOS QUE ENUNCIA, APLICA-SE EM TODOS OS PROCESSOS EM QUE FOREM PARTES, SEJA NA CONDIÇÃO DE AUTORES OU RÉUS, RESSALVADA A OBRIGAÇÃO, QUANDO SUCUMBENTES, DE REEMBOLSAR AO VITORIOSO AS DESPESAS PROCESSUAIS QUE ESTE TENHA EXPERIMENTADO PARA ESTAR EM JUÍZO, INCLUSIVE A TÍTULO DE PAGAMENTO DA TAXA ÚNICA EM QUESTÃO. " Proferiu sustentação oral o Dr. Clóvis Juarez Kemmerich pelo Instituto Nacional do Seguro Social.

 

Trechos do ACÓRDÃO (sublinhei alguns):

 ... É claro, ainda, que se a parte vencedora nada desembolsou para estar em juízo, seja porque litigou ao abrigo da gratuidade judiciária, seja porque também beneficiada por alguma isenção, nada haverá a lhe ser ressarcido, assim como também não haverá o que ser recolhido diretamente aos cofres públicos pela parte vencida, se for uma daquelas agraciadas com a isenção.

Em suma, trocando em miúdos, os entes públicos agraciados com a isenção não recolhem diretamente aos cofres do Estado, em hipótese alguma, a taxa judiciária única, não importa se autores ou réus, vencedores (aí nem constam como contribuintes) ou vencidos (incidência da isenção), estando obrigados apenas, quando vencidos, a ressarcir a parte adversa pelo que ela despendeu para estar em juízo, no que incluído o que pagou a título de taxa judiciária única.

 Porque de modo didático e preciso tratou da matéria, como do costume de seu eminente Relator, o Desembargador IRINEU MARIANI, permito-me reproduzir trecho de ementa do acórdão lançado na apelação 70077003341, no qual também se louvou o Estado na inicial deste incidente, “in verbis”:

 

APELAÇÃO CÍVEL. TAXA ÚNICA DE SERVIÇOS JUDICIAIS. LEI-RS 14.634/2014). ENTRADA EM VIGOR E APLICAÇÃO DA NOVA LEI. ISENÇÃO.

 

1. ENTRADA EM VIGOR E APLICAÇÃO DA NOVA LEI

Combinando os arts. 25 e 28 da Lei 14.634/2014, tem-se o seguinte: (a) os processos ajuizados até 31-12-2014, estão sujeitos, do início ao fim, às exações da legislação anterior; e (b) os ajuizados no interregno de 1º de janeiro a 14 de junho/2015, estão sujeitos à legislação anterior quanto às exações vencidas no citado período, sujeitando-se, quanto às vincendas, isto é, a partir do dia 15, à Lei 14.634/2014.

 

2. ISENÇÃO DA TAXA ÚNICA DE SERVIÇOS JUDICIAIS

2.1 – Combinando os arts. 3º, II, e 5º, I, da Lei 14.634/2014, tem-se o princípio da reciprocidade: (a) por um lado, a isenção da taxa prevista à Fazenda Pública (art. 5º, I), não libera o particular de pagá-la quando vencido, visto que ela é contribuinte (art. 3º, II), isto é, não há imunidade; e (b) por outro, também a Fazenda, quando vencida, não fica liberada de reembolsá-la ao particular pelo quanto pagou.

2.2 – Vale o mesmo princípio aos casos de gratuidade da justiça: o fato do diferimento não dispensa a parte contrária de pagá-la quando vencida.

2.3 – Caso em que se aplica a Lei 14.634 desde o início, a parte autora goza da gratuidade da justiça, e a sentença não fez a distinção dos períodos ao condenar o réu; consequentemente, apelação que merece parcial acolhida para se excluir a condenação do réu na condição de isento (art. 5º, I).

 

3. DISPOSITIVO

Apelação provida em parte.

 Observo, por fim, quanto a serventias privatizadas, embora raras no Estado (consta-me que sejam apenas duas: 4ª Vara da Fazenda Pública desta capital e a comarca de Tapera), que o artigo 24 da Lei nº 14.634/2014 estabeleceu sua aplicação aos feitos que tramitarem nos cartórios privatizados, garantindo-se aos respectivos titulares o repasse do valor correspondente à Taxa Única de Serviços Judiciais. É o que está posto no seu parágrafo único, onde previsto que a disciplina acerca da forma de repasse caberá ao Conselho da Magistratura em casos de redistribuição, alteração de competência, bem como nos casos específicos de unidade privatizadas, cuja remuneração se dava por ato isolado.

- Ante o exposto, acolho o incidente para definir que a isenção de pagamento da taxa judiciária única concedida aos entes públicos, segundo previsto no artigo 5º, inciso I, da Lei nº 14.634/2014,   aplica-se a todos os processos em que forem partes, como autores ou réus, ressalvada, quando sucumbente, a obrigação de reembolsar a parte vitoriosa pelas despesas judiciais que experimentou para estar em juízo, nas quais incluído o valor que houver despendido a título de pagamento da taxa única em questão.

 Proponho, ainda, a formulação da seguinte tese:

  

A ISENÇÃO DO PAGAMENTO DA TAXA ÚNICA DE SERVIÇOS JUDICIAIS INSTITUÍDA PELA LEI 14.634/2014, CONCEDIDA AOS ENTES PÚBLICOS QUE ENUNCIA, APLICA-SE EM TODOS OS PROCESSOS EM QUE FOREM PARTES, SEJA NA CONDIÇÃO DE AUTORES OU RÉUS, RESSALVADA A OBRIGAÇÃO, QUANDO SUCUMBENTES, DE REEMBOLSAR AO VITORIOSO AS DESPESAS PROCESSUAIS QUE ESTE TENHA EXPERIMENTADO PARA ESTAR EM JUÍZO, INCLUSIVE A TÍTULO DE PAGAMENTO DA TAXA ÚNICA EM QUESTÃO. 

 (TJRS, IRDR Nº 70081401986 (Nº CNJ: 0112107-16.2019.8.21.7000), Relator Des. Marcelo Bandeira Pereira, Órgão Especial, unânime, julgamento em 08/09/2020)


sábado, 13 de junho de 2020

DECISÃO DO STF NO TEMA 28: POSSIBILIDADE DE EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO OU RPV REFERENTE À PARTE INCONTROVERSA DA EXECUÇÃO


DECISÃO DO STF NO TEMA 28: POSSIBILIDADE DE EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO OU RPV REFERENTE À PARTE INCONTROVERSA DA EXECUÇÃO

O caso trata da possibilidade de expedição de RPV ou precatório para pagamento da parcela não embargada na execução. Mas há trechos que levariam a crer que o caso trata de trânsito em julgado em capítulos e possibilidade de execução autônoma dos capítulos, o que é outra coisa. Execução e expedição de precatório são coisa diferentes, uma precede a outra.

S.m.j., o RE 1205530 trata apenas da possibilidade do pagamento (prec/rpv) da parte não embargada da execução. Não trata da possibilidade de execução da parcela que não tenha sido objeto de recuso, antes do trânsito da última decisão do processo.

Transcrevo do RECURSO que foi a julgamento: “I – HISTÓRICO [...] TRANSITADO EM JULGADO O FEITO, a recorrida promoveu a execução da obrigação de pagar, indicando como devida pela autarquia a quantia de R$ 28.045,60 (indenização mais honorários), valores atualizados até 31 de março de 2015. Citado, o D.E.R. EMBARGOU À EXECUÇÃO alegando excesso da ordem de R$ 7.202,36, decorrente da não utilização, pela recorrida dos critérios de correção monetária trazidos pela Lei 11.960/09 para atualização dos valores devidos a partir de 29 de junho de 2009. Foram, então, exaradas as seguintes decisões: ... "Vistos. Diante da oposição de Embargos à Execução, possível o prosseguimento deste processo principal tão somente quanto o valor incontroverso. Aguarde-se, portanto, eventual requerimento. [...]””

Vejam, ainda, a DESCRIÇÃO do tema 28 no site do STF: “Recurso extraordinário em que se discute, à luz artigos 5º, II e LIV; 37, caput; e 100, §§ 1º e 4º, da Constituição Federal, a possibilidade, ou não, de expedição de precatório, ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO, para efetuar o pagamento da parte incontroversa da condenação.”

Contudo, o ENUNCIADO do tema já continha elementos estranhos à discussão, envolvendo a possibilidade de execução parcial. Transcrevo: “28 - Fracionamento da execução com expedição de precatório para pagamento de parte incontroversa DA CONDENAÇÃO.”

E, por fim, julgamento do RE e a TESE ADOTADA confundem as duas coisas de forma inacreditável, para uma corte suprema:

O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 28 da repercussão geral, conheceu do recurso e deu-lhe parcial provimento para, reformando o acórdão recorrido, assentar a possibilidade de execução do título judicial, considerada a parte autônoma já preclusa, nos termos do voto do Relator. Foi fixada a seguinte tese: "Surge constitucional expedição de precatório ou requisição de pequeno valor para pagamento da parte incontroversa e autônoma do pronunciamento judicial, transitado em julgado, observada a importância total executada para efeitos de dimensionamento como obrigação de pequeno valor.”

Nas notícias, a decisão já está sendo explorada como referente à possibilidade de iniciar diversas execuções, uma para cada pedido ou parcela de pedido que preclua durante a fase de conhecimento. Conferir:

Não vou entrar no mérito da questão da possibilidade de execuções por capítulos. Meu ponto é que essa não era a questão dos autos. O STF julgou fora da questão que estava em discussão ou, no mínimo, não foi claro.

RECLAMAÇÃO POR DESRESPEITO À SUSPENSÃO DE PROCESSOS DETERMINADA PELO STJ


Ao afetar o RESP 1.831.371/SP como repetitivo, o STJ decidiu:

a) a tese representativa da controvérsia fica delimitada aos seguintes termos: possibilidade de reconhecimento da especialidade da atividade de vigilante, exercida após a edição da Lei 9.032/1995 e do Decreto 2.172/1997, com ou sem o uso de arma de fogo.
b) a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão delimitada e que tramitem no território nacional, inclusive no sistema dos Juizados Especiais Federais; ...” (STJ, (ProAfR no REsp 1831371/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 01/10/2019, DJe 21/10/2019)

Algumas Turmas Recursais, contudo, entendem que a referida decisão não as vincula e dão prosseguimento aos seus processos. O caso comporta o uso de Reclamação ao STJ? É o que será decidido na Rcl nº 40029 / PR.

A DISCUSSÃO SOBRE POSSIBILIDADE DE DECISÃO EM IRDR INVERTER APRIORISTICAMENTE O ÔNUS DA PROVA E TAXAR A EFICÁCIA PROBATÓRIA DE MEIOS DE PROVA PODE TORNAR-SE RECURSO ESPECIAL REPETITIVO


“DESPACHO.  À luz do art. 256-C do RI-STJ e da Portaria STJ/GP 299/2017, encaminhem-se os autos ao e. Presidente da Comissão Gestora de Precedentes para apreciação preliminar acerca da afetação do presente Recurso Especial, oriundo de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, como representativo da controvérsia. Solicito a Sua Excelência que, na hipótese de compreender pela afetação do presente caso, indique, se entender pertinente, um ou mais Recursos Especiais com o mesmo tema para seleção, com o escopo de abranger a maior argumentação possível.” (STJ, RESP 1.828.606/RS, MINISTRO HERMAN BENJAMIN, 28/05/2020)

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

COM QUE IDADE O TITULAR DE PRETENSÃO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO PASSA A ESTAR SUJEITO AOS PRAZOS PRESCRICIONAIS?

A questão da fluência dos prazos prescricionais no Direito Previdenciário envolve discussão sobre o alcance de dois artigos da Lei n. 8.213/1991:

Art. 79. Não se aplica o disposto no art. 103 desta Lei ao pensionista menor, incapaz ou ausente, na forma da lei. (Revogado em 18/01/2019)

Art. 103. [...] Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.

A data de início do prazo prescricional (ou final do impedimento do prazo prescricional) tem relevância (a) para o recebimento de parcelas em atraso, que eram devidas mas não foram pagas à época própria; e (b) também para retroação do início da pensão, conforme regras estabelecidas no art. 74 da Lei n. 8.213/1991: da data do óbito ou da data de requerimento, se requerido dentro de 30 dias ou após 30 dias contados do óbito (atualmente 180 dias), respectivamente.

O prazo para requerimento (atualmente 180 dias), que gera o direito de receber a pensão desde o óbito, não era entendido pelo INSS como um prazo prescricional. Tratava-se, entendia o INSS, de simples regra sobre a data de início do benefício (DIB) de pensão, da mesma forma que existem regras que definem a DIB de todas as demais espécies de benefícios. Conforme o Código Civil, diploma que contém as normas basilares sobre a prescrição no direito brasileiro, “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição” (art. 189). Ora, não ocorre qualquer violação de direito na não-implantação de benefício antes do requerimento pelo interessado, pois não existe norma que o determine. Aliás, não existe nem mesmo norma que o permita. De toda forma, não cabe um desenvolvimento maior do tema, pois diante das reiteradas manifestações dos tribunais no sentido de que os prazos do art. 74 têm natureza prescricional e, portanto, não correm contra certas pessoas definidas na lei civil, o INSS adequou seus normativos ao entendimento jurisprudencial, inclusive como forma de prevenir litígios.

Trata-se, portanto, de saber se a idade na qual começam a contar os prazos prescricionais do Direito Previdenciário é a de 16 anos ou a de 18 anos.

A Lei n. 8.213/1991, nos seus artigos 79 e 103, não primou pela precisão. “Menores” podem ser os menores de 16 (CC art. 3º) ou os menores de 18 (CC art. 4º, I). “Incapazes” podem ser os absolutamente incapazes (art. 3º) ou os relativamente incapazes (art. 4º). “Ausentes” podem ser os “ausentes do País em serviço público” (CC art. 198 II) ou os desaparecidos, previstos no CC anterior como absolutamente incapazes, mas no CC/2002 como presumidamente mortos (art. 6º). É certo que o art. 5º do CC/2002 diz que a “menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”, mas esse artigo está se referido apenas à menoridade remanescente depois de cessada, logicamente, a menoridade relativa aos 16 anos. Como se sabe, existem diferentes menoridades (eleitoral, penal, civil ...). No que se refere à prescrição, a menoridade que interessa cessa aos 16 anos (art. 198 do CC/2002).

Poderia ser diferente na lei previdenciária? Sim, poderia, mas seria, no mínimo, necessária uma ressalva expressa à regra do Código Civil. A lei previdenciária não fez ressalvas e nem contém qualquer indicativo de que estaria adotando critério diverso daquele do Código Civil. Pelo contrário, no art. 103 remete explicitamente ao Código Civil. E o art. 79, atualmente revogado, remetia ao art. 103.

Há que se interpretar as normas de forma sistemática, a fim de dar alguma coerência ao ordenamento. Inclusive para admitir outros casos de impedimento da prescrição que nem sequer estão expressos na lei previdenciária, como o dos “que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra” (CC, art. 198, III).

 Aqui vale a lição de Pietro Perlingieri:

A questão não reside na disposição topográfica (códigos, leis especiais), mas na correta individuação dos problemas. A tais problemas será necessário dar uma resposta, procurando-a no sistema como um todo, sem apego à preconceituosa premissa do caráter residual do código e, por outro lado, sem desatenções às leis cada vez mais numerosas e fragmentadas. [...] O trabalho de reconstrução do sistema, mediante a interpretação, faz-se sempre mais difícil por causa da instabilidade e contraditoriedade das opções de política do direito e pela variabilidade dos conteúdos das regulamentações dos institutos jurídicos, pelo uso pouco prudente, freqüentemente descuidado e inadequado, das técnicas legislativas. (Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil, 1997, p. 6 e 24)

Analisemos o sistema. A prática de ato jurídico exige agente capaz. Agente capaz é o sujeito dotado de capacidade. A capacidade pode classificar-se de dois modos: quanto à natureza e quanto à extensão. Quanto à natureza, classifica-se em de direito e de fato. A capacidade de direito é a capacidade de gozo, atributo da personalidade, o que não quer dizer que todos tenham todos os direitos. Certas pessoas não podem ter certos direitos. A capacidade de fato ou de exercício é a que permite à pessoa, por si mesma, levar a efeito o uso e gozo de diversos direitos. Essa capacidade está sujeita a muitas limitações. O Código Civil trata da capacidade estabelecendo as hipóteses de sua ausência, isto é, os casos de incapacidade.

A ordem jurídica priva certas pessoas do exercício por si dos direitos, estabelecendo incapacidades. (Orlando Gomes, Introdução ao Direito Civil, p. 129).
           
Quanto à extensão da incapacidade, ela se classifica em absoluta e relativa.

A incapacidade absoluta só pode ser de fato (também dita de exercício), pois sempre que há personalidade há um mínimo de capacidade de direito. A incapacidade absoluta, portanto, é o impedimento total para o exercício pessoal dos atos da vida civil.

A incapacidade relativa refere-se apenas a “certos atos ou à maneira de os exercer”.

Mesmo que os relativamente incapazes não possam praticar pessoalmente certos atos, o Código Civil não os excepciona dos efeitos da prescrição (ver CC art. 198).

Diversamente, os absolutamente incapazes, em razão do impedimento total para os atos da vida civil, têm seus direitos resguardados da prescrição (ver CC art. 198).

Tendo essas noções presentes, pode-se tratar do instituto da prescrição. Conforme ensina Pontes de Miranda, o instituto da prescrição "serve à segurança e à paz públicas" (Tratado de Direito Privado T. VI, 1970, § 662). Sendo esse o objetivo da existência de prazos prescricionais, a possibilidade de exercício da pretensão e o início do prazo prescricionalsão fatos correlatos, que se correspondem como causa e efeito” (nas palavras de Agnelo Amorim Filho, Critério científico ..., 1961). Em outras palavras, para que o prazo prescricional tenha início, é necessário que o titular da pretensão tenha capacidade de exercê-la. Tendo capacidade para exercer a pretensão (capacidade de fato), a inércia pelo prazo previsto em lei acarreta a prescrição.

Com essas noções básicas, cabe perguntar: o maior de 16 anos tem capacidade de exercer pessoalmente seus direitos junto à Previdência? Sem dúvida! Com 16 anos de idade, o segurado ou dependente é totalmente capaz para, por conta própria, requerer benefícios e receber os pagamentos, sem necessitar de representação ou assistência por quem quer que seja. Confira-se:

INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 77 /PRES/INSS, DE 21 DE JANEIRO DE 2015

Art. 512. [...] Parágrafo único. O titular do benefício, após dezesseis anos de idade, poderá receber o pagamento independentemente da presença dos pais ou tutor.

Art. 673. [...] § 2º O segurado e o dependente, maiores de dezesseis anos de idade, poderão firmar requerimento de benefício, independentemente da presença dos pais ou tutor, observando que seus pais ou tutor poderão representá-los perante a Previdência Social até a maioridade civil, ou seja, dezoito anos.

Note-se: na lei civil, a prescrição corre contra o relativamente incapaz (o maior de dezesseis), mesmo que este não tenha capacidade de fato para exercer todos os seus direitos. Na lei previdenciária, o maior de dezesseis (relativamente incapaz) possui capacidade plena para o exercício de seus direitos previdenciários. Isto é, os direitos previdenciários estão entre aqueles que ele pode exercer diretamente. Logo, não faria sentido algum que a prescrição não corresse contra esse segurado ou dependente. Não há como justificar o impedimento da prescrição em razão da idade quando o agente possui capacidade de fato para exercer a pretensão. Essa compreensão torna claro que, quando o art. 103 (e o antigo art. 79) da Lei n. 8.213/1991 fala em “menor” está se referindo ao menor de 16 anos absolutamente incapaz (não emancipado).

Na jurisprudência, há julgados nos dois sentidos (16 ou 18 anos). Cito alguns julgados recentes que adotam o marco dos 16 anos de idade:

[...] 1. O recorrente afirma que houve, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos arts.198 do CC/2002; 74, I, 79 e 103, parágrafo único, da Lei 8.213/1991. Sustenta que "A questão cinge-se à possibilidade de a parte autora, menor de idade, receber as diferenças da pensão por morte, compreendida entre a datado óbito e a data da implantação administrativa, considerando ter requerido a concessão do benefício após o prazo de trinta dias". 2. O acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça quando afirma que a DIB coincide com o óbito do segurado, não correndo a prescrição contra o absolutamente incapaz, no caso o menor de 16 anos, e que, com o implemento dos 21 anos, tornam-se automaticamente prescritas apenas as parcelas não reclamadas há mais de cinco anos, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. [...] (REsp 1797573/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 19/06/2019)

[...]. 2. Consigne-se que, em se tratando de absolutamente incapaz, não há falar em aplicação do disposto no art. 28 da Lei 3.765/1960, o qual prevê a prescrição das parcelas vencidas há mais de 5 anos da interposição do processo judicial, uma vez que o menor não poderia ser penalizado pela eventual desídia de seu responsável. Logo, não corre a prescrição contra menores impúberes (inteligência do artigo 198, inciso I do Código Civil de 2002, c.c. artigo 103, parágrafo único, da Lei 8.213/1991). [...] (REsp 1697648/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 19/12/2017)

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO ABSOLUTAMENTE INCAPAZ À ÉPOCA DO FALECIMENTO DO GENITOR. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO POSTERIOR À RELATIVIZAÇÃO DA INCAPACIDADE. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DO ÓBITO DO GENITOR. 1. Em se tratando de menor absolutamente incapaz à época do falecimento do pai, milita em seu favor cláusula impeditiva da prescrição (art. 198, I, do CC). [...]. (AgInt no REsp 1572391/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 07/03/2017)

[...] 2. Não corre prescrição contra o menor absolutamente incapaz, não se lhe podendo aplicar, dest'arte, a regra do art. 74, II da Lei 8.213 /91, sendo, portanto, devido o benefício de pensão por morte aos dependentes menores desde a data do óbito do mantenedor. Precedentes: AgRg no Ag 1.203.637/RJ, 5T, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe 3.5.2010; REsp. 1.141.465/SC, 6T, Rel. Min. ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (Desembargadora Convocada do TJ/PE), DJe 06.02.2013. 3. Agravo Regimental do INSS desprovido. (AgRg no AREsp 269.887/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 21/03/2014)

AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. REINCLUSÃO DE EX-POLICIAL MILITAR POST MORTEM. PENSÃO. MENOR IMPÚBERE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. AFRONTA AO ART. 165 DO CÓDIGO CIVIL. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Sendo o Autor absolutamente incapaz, em face da sua menoridade, resta configurada causa impeditiva da fluência do prazo prescricional, nos termos do art. 198, inciso I, do atual Código Civil (antigo art. 169, inciso I, do Código Civil de 1916). Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1203637/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/04/2010, DJe 03/05/2010)

PREVIDENCIÁRIO – PENSÃO POR MORTE – REQUERIMENTO – PRAZO SUPERIOR A 30 (TRINTA) DIAS – PRESCRIÇÃO – PARCELAS DEVIDAS DA DATA DO REQUERIMENTO – ART. 74, II DA LEI Nº 8.213/91 – MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ – INAPLICABILIDADE – PENSÃO DEVIDA A PARTIR DO ÓBITO – INCIDENTE PROVIDO. 1) A prescrição é a perda de uma pretensão em razão de sua não exigência no prazo legalmente estabelecido. A ausência de exigência do benefício de pensão por morte no prazo fixado em lei (até 30 dias após o óbito), leva à perda da pretensão respectiva, no que se refere às parcelas pretéritas, evidenciando, aí, a perda decorrente da prescrição. 2) O fato de não haver na norma que fixa aquele prazo qualquer referência aos incapazes, outorgando-lhes um tratamento diferenciado, não significa para o intérprete desconsiderar a interconexão dela com as demais que integram o sistema. 3) Diante da evidente natureza jurídica prescricional, é certa a impossibilidade do curso do prazo previsto no art. 74 da Lei nº 8.213/91, em relação aos incapazes. Incidência do art. 169, I, c/c o art. 5º, I do Código Civil de 1916. 4) Pedido de Uniformização provido. (TNU, 200638007463304, JUIZ FEDERAL RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA, DJ 13/05/2010)

[...] Tratando-se os autores de menores absolutamente incapazes, fazem eles jus ao recebimento do benefício de pensão por morte de seu genitor a contar da data do óbito, uma vez que não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. [...]. (TRF4, AC 5008294-70.2016.4.04.7202, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 03/07/2019)

[...] 3. A Lei de Benefícios remete ao Código Civil o critério de fluência da prescrição, no caso de direito de menores, incapazes e ausentes. O Código Civil de 2002, em seus artigos 3º, II, e 198, I, impedia a fruição do prazo prescricional contra os absolutamente incapazes, reconhecendo como tais aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tivessem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil. 4. A Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) alterou a norma antes referida e manteve apenas como absolutamente incapazes os menores de 16 anos. [...]. (TRF4, AC 5058114-44.2014.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 21/06/2019)

Concluo, em razão do exposto, que o prazo prescricional para o exercício de qualquer pretensão previdenciária somente se inicia quando seu titular adquire capacidade de exercê-la, fato que ocorre aos dezesseis anos de idade ou com a emancipação, o que ocorrer primeiro.