A tese do PBC da
vida toda
O caso gira em torno da interpretação da Lei n. 9.876, publicada
em 29/11/1999, art. 3º. Diz a lei:
Art.
3o Para o segurado filiado à Previdência
Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a
cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral
de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a
média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes
a, no mínimo, oitenta por cento de todo
o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994,
observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de
1991, com a redação dada por esta Lei.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região interpretou esse
artigo em um precedente que alterou sua jurisprudência. Ao julgar a apelação 5008286-81.2012.4.04.7122,
o Tribunal Regional passou a adotar a tese de que para os segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à
29/11/1999, que venham a
cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral
de Previdência Social a partir dessa data, o cálculo do salário-de-benefício
poderá ser feito de duas maneiras, a opção é do segurado: (a) Será
considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição,
correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994;
ou (b) Será considerada a média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo
(multiplicada ou não pelo fator previdenciário, conforme a espécie do
benefício).
Assim
que decidiu, o Tribunal tomou a providência de publicar em sua página a
notícia. Confira-se em:
E
a íntegra do acórdão está disponível em: www.trf4.jus.br,
em consulta processual pelo número 5008286-81.2012.4.04.7122, e leitura no Evento 8,
RELVOTO1.
Essa
tese é chamada, informalmente, de “PBC da vida toda” ou “revisão da vida toda”,
justamente pela a inclusão, no cálculo do benefício, de
salários-de-contribuição de qualquer época. Sua linha central é a de que a
regra do art. 3º, acima transcrita, seria uma regra de transição e, pela lógica
das regras de transição, ela deveria ser pior que a regra anterior, mas melhor que
a regra nova permanente. Isso porque, justamente, consistiria em uma passagem de
um para outro regime. Conclusão do Tribunal: se a regra de transição, que
deveria ser melhor que a permanente, for pior que a regra permanente, então o
segurado tem direito a optar pela regra permanente. Uma espécie de direito
adquirido a norma futura!
Ora,
então se uma regra é “de transição” isso é razão suficiente para não a aplicar à
hipótese de incidência claramente descrita no texto? E de onde inferir que a
regra que aumenta o período básico de cálculo-PBC veio para piorar a situação dos segurados? E se
ela tiver vindo para melhorar (como
parece ser o caso), o Tribunal aplicaria a mesma lógica?
Na
verdade, pouco importa se a regra é de transição ou não. Nenhuma regra funciona
se ela não for aplicada à sua hipótese de incidência. Ela não tem nem como
funcionar como transição se for desconsiderado seu texto e deixada a eleição da
regra a cargo dos destinatários.
Percebe-se,
assim, o nascimento de mais uma tese para entulhar os tribunais de processos. Essa,
contudo, não há de ter vida longa, pois a violação legal nela contida é notória.
Contrariedade à Lei n. 9.876/1999, art. 3o
O
precedente citado, ao pretexto de “interpretar” o disposto no art. 3º da Lei
9.876/1999, acabou por contrariá-lo frontalmente, vez que determinou a sua
não-aplicação exatamente na hipótese fática ali prevista: filiação anterior a 29/11/1999.
Afastada dessa forma a norma legal, o tribunal condenou o INSS conceder à parte
autora o “direito de optar” pelo período básico de cálculo que inclua
salário-de-contribuição anteriores a 1994, mesmo sendo ela filiada em data anterior
à publicação da Lei n. 9.876/1999 (29/11/1999).
A
Lei n. 9.876/1999 contém regra específica para a sua situação:
Art. 3o Para o segurado filiado à Previdência Social até o
dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as
condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de
Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média
aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no
mínimo, oitenta por cento de todo o período
contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o
disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a
redação dada por esta Lei.
Mas
tribunal não aceita a regra vigente. Afirma que o segurado teria sido “lesado”
pela desconsideração dos salários mais altos, que seriam anteriores a 1994. Mas
quando os salários anteriores a 1994 forem mais baixos, permite que o segurado escolha
o período básico de cálculo mais favorável.
O
precedente que adotou tal tese, repita-se, é contrário a texto expresso de lei.
Os segurados não podem escolher o período básico de cálculo que bem desejarem.
Se fosse assim, todos “renunciariam” aos salários mais baixos para que apenas o
salário mais alto de todos (um único salário) fosse base para a aposentadoria.
Note-se que a regra em questão (art. 3º citado)
não gera qualquer injustiça. Quando ela foi publicada, em 29/11/1999, já haviam se passado mais de cinco anos
contados desde julho de 1994. Ou seja, sem
a Lei n. 9.876/1999, os salário-de-contribuição em questão já estavam
completamente fora do PBC de qualquer segurado não aposentado. O PBC, até
11/1999, era composto de 36 contribuições existentes dentro de um período
máximo de 48 meses (e eram os 36 últimos, não os melhores, sem escolha). Não se
pode atribuir à Lei 9.876/1999 o “prejuízo” que a autora e o tribunal alegaram.
Na verdade, o precedente encontrou uma fórmula que favorece a autora mais
ainda, mas isso não quer dizer que ela tenha direito a essa
fórmula. Se a Lei n. 9.876/1999 tivesse vindo em 1995 e dito que não poderiam
ser considerados salários anteriores a 1994 até se poderia pensar em algum
prejuízo, mas esse não é o caso dos autos.
Tampouco
se pode falar em quebra de isonomia por alguns estarem sujeitos à regra
permanente e enquanto outros estão sujeitos à regra de transição. Note-se que aqueles
que fazem jus à regra permanente podem ter todo o seu período contributivo no
PBC, mas todo esse período será, necessariamente, posterior a 1999. Não há,
portanto, segurados utilizando período anterior a 1994 (nem os novos filiados,
nem os antigos).
Por
fim, a regra do art. 3º da Lei n. 9.876/1999 não é aleatória. Ela toma um
período suficientemente longo (5 anos), bem maior que o PBC previsto na regra
anterior (3 anos), e considera as contribuições vertidas quando a moeda
nacional já era o Real. Evitaram-se, dessa forma, discussões sobre regras
de conversão e correção monetária (sabidamente objeto de discussões
infindáveis, mas pertencentes a um período que já estava ultrapassado pelas
regras anteriores, e que o precedente em comento faz ressuscitar).
Os
precedentes de outros tribunais, corretamente, rejeitam a tese em comento. Alguns
exemplos:
[O] período básico de cálculo para os segurados
que já estavam filiados ao sistema previdenciário, como a hipótese de que
aqui se cuida, passou a ser o lapso
compreendido entre julho de 1994 e a data do requerimento do benefício. Nesse interregno, é considerada a média
aritmética simples dos maiores salários de contribuição, correspondentes a, no
mínimo, 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo. (STJ, REsp
1114345/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., unânime, julgado
em 27/11/2012, trecho do voto)
PROCESSUAL CIVIL E
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA
POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. PERÍODO BÁSICO DE
CÁLCULO. REGRA DO ARTIGO 3º, § 2º,
DA LEI 9.876/1999. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO BENEFÍCIO ANTES DA
PUBLICAÇÃO DA LEI 9.876/1999. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1.
Consoante jurisprudência do STJ, os filiados ao Regime Geral de Previdência
Social que não comprovarem os requisitos para a concessão de aposentadoria por
tempo de contribuição antes da publicação da Lei 9.876/1999 serão regidos pela regra de transição
prevista no artigo 3º, § 2º, da citada Lei, desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos
I e II do caput do art. 29 da Lei 8.213/1991. Observância do Recurso Especial
929.032/RS. 2. Na espécie, averiguar se o segurado cumpriu ou não os requisitos
para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição em momento anterior
à publicação da Lei 9.876/1999 requer o reexame do conjunto fático probatório,
o que é inviável no âmbito do recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 3.
Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 609.297/SC, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 26/06/2015)
PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA POR IDADE. REVISÃO. PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO. AMPLIAÇÃO. EC N.
20/1998 E LEI N. 9.876/1999. LIMITE DO DIVISOR PARA O CÁLCULO DA MÉDIA. PERÍODO
CONTRIBUTIVO. 1. A partir da promulgação da Carta Constitucional de 1988, o
período de apuração dos benefícios de prestação continuada, como a
aposentadoria, correspondia à média dos 36 últimos salários-de-contribuição
(art. 202, caput). 2. Com a Emenda Constitucional n. 20, de 1998, o número de
contribuições integrantes do Período Básico de Cálculo deixou de constar do
texto constitucional, que atribuiu essa responsabilidade ao legislador
ordinário (art. 201, § 3º). 3. Em seguida, veio à lume a Lei n. 9.876, cuja
entrada em vigor se deu em 29.11.1999. Instituiu-se o fator previdenciário no
cálculo das aposentadorias e ampliou-se o período de apuração dos salários-de-contribuição.
4. Conforme a nova Lei, para aqueles que se filiassem à Previdência a partir da
Lei n. 9.876/1999, o período de apuração envolveria os salários-de-contribuição
desde a data da filiação até a Data de Entrada do Requerimento - DER, isto é,
todo o período contributivo do segurado. 5. De outra parte, para os já filiados antes da edição da
aludida Lei, o período de apuração passou a ser o interregno entre julho de
1994 e a DER. 6. O período básico de
cálculo dos segurados foi ampliado pelo disposto no artigo 3º, caput, da
Lei n. 9.876/1999. Essa alteração legislativa veio em benefício dos segurados.
Porém, só lhes beneficia se houver contribuições. 7. Na espécie, a recorrente
realizou apenas uma contribuição desde a competência de julho de 1994 até a
data de entrada do requerimento - DER, em janeiro de 2004. 8. O caput do artigo
3º da Lei n. 9.876/1999 determina que, na média considerar-se-á os maiores
salários-de-contribuição, na forma do artigo 29, inciso I, da Lei n.
8.213/1991, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo desde julho
de 1994. E o § 2º do referido artigo 3º da Lei n. 9.876/1999 limita o
divisor a 100% do período contributivo. 9. Não há qualquer referência a que o
divisor mínimo para apuração da média seja limitado ao número de contribuições.
10. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 929.032/RS, Rel. Ministro
JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 27/04/2009)
PREVIDENCIÁRIO.
REVISIONAL. BENEFÍCIO. UTILIZAÇÃO DE
TODOS OS SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO VERTIDOS À PREVIDÊNCIA SOCIAL.
IMPOSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO A JULHO DE 1994. FATOR PREVIDENCIÁRIO.
CONSTITUCIONALIDADE. 1. O benefício da parte autora enquadra-se na regra do artigo 3º, § 2º, da Lei 9.876/99,
que estabelece o início do período contributivo apenas em julho de 1994, não havendo
previsão nem possibilidade de utilização de salários anteriores a essa
competência. [...] (TRF4, AC 5003863-07.2013.404.7102, Sexta Turma, Relator
p/ Acórdão (auxílio Vânia) Hermes S da Conceição Jr, juntado aos autos em
14/01/2016)
A Lei nº 9.876/99, em seu art. 3º, estabeleceu como
termo inicial
para apuração da média aritmética dos maiores 80% salários-de-contribuição
prevista no art. 29, da Lei nº 8.213/91, a competência de julho de 1994, para o segurado filiado à Previdência Social até o
dia anterior à data de sua publicação, fazendo-se necessário, de acordo com
essa sistemática, para se apurar os maiores salários-de-contribuição a serem
utilizados no cálculo do benefício, a relação de todos os salários-de-contribuição
atualizados até a data cálculo do benefício, a fim de se apurar os 80% maiores.
(TRF2, AC 2008.50.01.006831-0, Desembargadora Federal Liliane Roriz, 2ª T.,
DJF2R 02/03/2011)
[...] Para o segurado filiado à Previdência
Social até o dia anterior à data de publicação da Lei nº. 9.876/99, que
vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime
Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício, será
considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição,
correspondentes a, no mínimo, 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994.
(TRF5, APELREEX 00027235020114058400, Desembargador Federal Francisco Wildo,
TRF5 - Segunda Turma, DJE 07/06/2012)
O
caso tem repercussões graves e imediatas, pois o mesmo tribunal tem por prática
determinar o cumprimento imediato dos seus acórdãos, mesmo sem que os autores
optem por iniciar o procedimento de cumprimento provisório. Isso quer dizer que
altos valores já estão sendo desembolsados, com remotas chances de recuperação.
Mas este já é assunto para um novo post.
Nenhum comentário:
Postar um comentário