terça-feira, 20 de setembro de 2016

O SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO DOS SEGURADOS FILIADOS À PREVIDÊNCIA ANTES DE 29/11/1999

A tese do PBC da vida toda

O caso gira em torno da interpretação da Lei n. 9.876, publicada em 29/11/1999, art. 3º. Diz a lei:

Art. 3o Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região interpretou esse artigo em um precedente que alterou sua jurisprudência. Ao julgar a apelação 5008286-81.2012.4.04.7122, o Tribunal Regional passou a adotar a tese de que para os segurados filiados à Previdência Social até o dia anterior à 29/11/1999, que venham a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social a partir dessa data, o cálculo do salário-de-benefício poderá ser feito de duas maneiras, a opção é do segurado: (a) Será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994; ou (b) Será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo (multiplicada ou não pelo fator previdenciário, conforme a espécie do benefício).

Assim que decidiu, o Tribunal tomou a providência de publicar em sua página a notícia. Confira-se em:

E a íntegra do acórdão está disponível em: www.trf4.jus.br, em consulta processual pelo número 5008286-81.2012.4.04.7122, e leitura no Evento 8, RELVOTO1.

Essa tese é chamada, informalmente, de “PBC da vida toda” ou “revisão da vida toda”, justamente pela a inclusão, no cálculo do benefício, de salários-de-contribuição de qualquer época. Sua linha central é a de que a regra do art. 3º, acima transcrita, seria uma regra de transição e, pela lógica das regras de transição, ela deveria ser pior que a regra anterior, mas melhor que a regra nova permanente. Isso porque, justamente, consistiria em uma passagem de um para outro regime. Conclusão do Tribunal: se a regra de transição, que deveria ser melhor que a permanente, for pior que a regra permanente, então o segurado tem direito a optar pela regra permanente. Uma espécie de direito adquirido a norma futura!

Ora, então se uma regra é “de transição” isso é razão suficiente para não a aplicar à hipótese de incidência claramente descrita no texto? E de onde inferir que a regra que aumenta o período básico de cálculo-PBC veio para piorar a situação dos segurados? E se ela tiver vindo para melhorar (como parece ser o caso), o Tribunal aplicaria a mesma lógica?

Na verdade, pouco importa se a regra é de transição ou não. Nenhuma regra funciona se ela não for aplicada à sua hipótese de incidência. Ela não tem nem como funcionar como transição se for desconsiderado seu texto e deixada a eleição da regra a cargo dos destinatários.

Percebe-se, assim, o nascimento de mais uma tese para entulhar os tribunais de processos. Essa, contudo, não há de ter vida longa, pois a violação legal nela contida é notória.

Contrariedade à Lei n. 9.876/1999, art. 3o

O precedente citado, ao pretexto de “interpretar” o disposto no art. 3º da Lei 9.876/1999, acabou por contrariá-lo frontalmente, vez que determinou a sua não-aplicação exatamente na hipótese fática ali prevista: filiação anterior a 29/11/1999. Afastada dessa forma a norma legal, o tribunal condenou o INSS conceder à parte autora o “direito de optar” pelo período básico de cálculo que inclua salário-de-contribuição anteriores a 1994, mesmo sendo ela filiada em data anterior à publicação da Lei n. 9.876/1999 (29/11/1999).

A Lei n. 9.876/1999 contém regra específica para a sua situação:

Art. 3o Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.

Mas tribunal não aceita a regra vigente. Afirma que o segurado teria sido “lesado” pela desconsideração dos salários mais altos, que seriam anteriores a 1994. Mas quando os salários anteriores a 1994 forem mais baixos, permite que o segurado escolha o período básico de cálculo mais favorável.

O precedente que adotou tal tese, repita-se, é contrário a texto expresso de lei. Os segurados não podem escolher o período básico de cálculo que bem desejarem. Se fosse assim, todos “renunciariam” aos salários mais baixos para que apenas o salário mais alto de todos (um único salário) fosse base para a aposentadoria.

Note-se que a regra em questão (art. 3º citado) não gera qualquer injustiça. Quando ela foi publicada, em 29/11/1999, já haviam se passado mais de cinco anos contados desde julho de 1994. Ou seja, sem a Lei n. 9.876/1999, os salário-de-contribuição em questão já estavam completamente fora do PBC de qualquer segurado não aposentado. O PBC, até 11/1999, era composto de 36 contribuições existentes dentro de um período máximo de 48 meses (e eram os 36 últimos, não os melhores, sem escolha). Não se pode atribuir à Lei 9.876/1999 o “prejuízo” que a autora e o tribunal alegaram. Na verdade, o precedente encontrou uma fórmula que favorece a autora mais ainda, mas isso não quer dizer que ela tenha direito a essa fórmula. Se a Lei n. 9.876/1999 tivesse vindo em 1995 e dito que não poderiam ser considerados salários anteriores a 1994 até se poderia pensar em algum prejuízo, mas esse não é o caso dos autos.

Tampouco se pode falar em quebra de isonomia por alguns estarem sujeitos à regra permanente e enquanto outros estão sujeitos à regra de transição. Note-se que aqueles que fazem jus à regra permanente podem ter todo o seu período contributivo no PBC, mas todo esse período será, necessariamente, posterior a 1999. Não há, portanto, segurados utilizando período anterior a 1994 (nem os novos filiados, nem os antigos).

Por fim, a regra do art. 3º da Lei n. 9.876/1999 não é aleatória. Ela toma um período suficientemente longo (5 anos), bem maior que o PBC previsto na regra anterior (3 anos), e considera as contribuições vertidas quando a moeda nacional já era o Real. Evitaram-se, dessa forma, discussões sobre regras de conversão e correção monetária (sabidamente objeto de discussões infindáveis, mas pertencentes a um período que já estava ultrapassado pelas regras anteriores, e que o precedente em comento faz ressuscitar).

Os precedentes de outros tribunais, corretamente, rejeitam a tese em comento. Alguns exemplos:

[O] período básico de cálculo para os segurados que já estavam filiados ao sistema previdenciário, como a hipótese de que aqui se cuida, passou a ser o lapso compreendido entre julho de 1994 e a data do requerimento do benefício. Nesse interregno, é considerada a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição, correspondentes a, no mínimo, 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo. (STJ, REsp 1114345/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., unânime, julgado em 27/11/2012, trecho do voto)

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO. REGRA DO ARTIGO 3º, § 2º, DA LEI 9.876/1999. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO BENEFÍCIO ANTES DA PUBLICAÇÃO DA LEI 9.876/1999. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Consoante jurisprudência do STJ, os filiados ao Regime Geral de Previdência Social que não comprovarem os requisitos para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição antes da publicação da Lei 9.876/1999 serão regidos pela regra de transição prevista no artigo 3º, § 2º, da citada Lei, desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei 8.213/1991. Observância do Recurso Especial 929.032/RS. 2. Na espécie, averiguar se o segurado cumpriu ou não os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição em momento anterior à publicação da Lei 9.876/1999 requer o reexame do conjunto fático probatório, o que é inviável no âmbito do recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 609.297/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 26/06/2015)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. REVISÃO. PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO. AMPLIAÇÃO. EC N. 20/1998 E LEI N. 9.876/1999. LIMITE DO DIVISOR PARA O CÁLCULO DA MÉDIA. PERÍODO CONTRIBUTIVO. 1. A partir da promulgação da Carta Constitucional de 1988, o período de apuração dos benefícios de prestação continuada, como a aposentadoria, correspondia à média dos 36 últimos salários-de-contribuição (art. 202, caput). 2. Com a Emenda Constitucional n. 20, de 1998, o número de contribuições integrantes do Período Básico de Cálculo deixou de constar do texto constitucional, que atribuiu essa responsabilidade ao legislador ordinário (art. 201, § 3º). 3. Em seguida, veio à lume a Lei n. 9.876, cuja entrada em vigor se deu em 29.11.1999. Instituiu-se o fator previdenciário no cálculo das aposentadorias e ampliou-se o período de apuração dos salários-de-contribuição. 4. Conforme a nova Lei, para aqueles que se filiassem à Previdência a partir da Lei n. 9.876/1999, o período de apuração envolveria os salários-de-contribuição desde a data da filiação até a Data de Entrada do Requerimento - DER, isto é, todo o período contributivo do segurado. 5. De outra parte, para os já filiados antes da edição da aludida Lei, o período de apuração passou a ser o interregno entre julho de 1994 e a DER. 6. O período básico de cálculo dos segurados foi ampliado pelo disposto no artigo 3º, caput, da Lei n. 9.876/1999. Essa alteração legislativa veio em benefício dos segurados. Porém, só lhes beneficia se houver contribuições. 7. Na espécie, a recorrente realizou apenas uma contribuição desde a competência de julho de 1994 até a data de entrada do requerimento - DER, em janeiro de 2004. 8. O caput do artigo 3º da Lei n. 9.876/1999 determina que, na média considerar-se-á os maiores salários-de-contribuição, na forma do artigo 29, inciso I, da Lei n. 8.213/1991, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo desde julho de 1994. E o § 2º do referido artigo 3º da Lei n. 9.876/1999 limita o divisor a 100% do período contributivo. 9. Não há qualquer referência a que o divisor mínimo para apuração da média seja limitado ao número de contribuições. 10. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 929.032/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 27/04/2009)

PREVIDENCIÁRIO. REVISIONAL. BENEFÍCIO. UTILIZAÇÃO DE TODOS OS SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO VERTIDOS À PREVIDÊNCIA SOCIAL. IMPOSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO A JULHO DE 1994. FATOR PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONALIDADE. 1. O benefício da parte autora enquadra-se na regra do artigo 3º, § 2º, da Lei 9.876/99, que estabelece o início do período contributivo apenas em julho de 1994, não havendo previsão nem possibilidade de utilização de salários anteriores a essa competência. [...] (TRF4, AC 5003863-07.2013.404.7102, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão (auxílio Vânia) Hermes S da Conceição Jr, juntado aos autos em 14/01/2016)

A Lei nº 9.876/99, em seu art. 3º, estabeleceu como termo inicial para apuração da média aritmética dos maiores 80% salários-de-contribuição prevista no art. 29, da Lei nº 8.213/91, a competência de julho de 1994, para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de sua publicação, fazendo-se necessário, de acordo com essa sistemática, para se apurar os maiores salários-de-contribuição a serem utilizados no cálculo do benefício, a relação de todos os salários-de-contribuição atualizados até a data cálculo do benefício, a fim de se apurar os 80% maiores. (TRF2, AC 2008.50.01.006831-0, Desembargadora Federal Liliane Roriz, 2ª T., DJF2R 02/03/2011)

[...] Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação da Lei nº. 9.876/99, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício, será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994. (TRF5, APELREEX 00027235020114058400, Desembargador Federal Francisco Wildo, TRF5 - Segunda Turma, DJE 07/06/2012)


O caso tem repercussões graves e imediatas, pois o mesmo tribunal tem por prática determinar o cumprimento imediato dos seus acórdãos, mesmo sem que os autores optem por iniciar o procedimento de cumprimento provisório. Isso quer dizer que altos valores já estão sendo desembolsados, com remotas chances de recuperação. Mas este já é assunto para um novo post.

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