domingo, 25 de setembro de 2016

PODE O TRIBUNAL REGIONAL DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO SEU ACÓRDÃO FORA DAS HIPÓTESES DE TUTELA DE URGÊNCIA?

Ao julgar o Incidente de Assunção de Competência-IAC na AC 5044256-14.2012.4.04.7100, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região adotou a seguinte orientação jurisprudencial:

O resultado de recurso que conclui pela revisão de benefício com aumento da renda mensal do segurado autoriza a ordem de imediata implantação dos efeitos do julgado para as prestações futuras. (TRF4, IAC na AC 5044256-14.2012.4.04.7100, Relator Juiz Federal MARCELO DE NARDI, 3ª Seção, unânime, sessão de 15/09/2016)

Os julgadores entenderam que a iniciativa da parte estaria presente no momento que propôs ação com pedido de condenação em obrigação de fazer, pois esta é mandamental. E uma vez que os recursos especial e extraordinário não possuem efeito suspensivo, a obrigação deveria ser cumprida desde logo.

Pode? Entendo que não, pois sem trânsito em julgado o cumprimento é provisório e este, em razão de suas consequências e da exigência de garantias, depende sempre de iniciativa da parte, a ser exercida no juízo competente (que não é o Tribunal, mas o Juízo de primeiro grau).

A propositura da ação objetiva, em princípio, a tutela definitiva. Ou seja, ela não traz implícito pedido de cumprimento provisório.

Incompetência funcional. Contrariedade ao CPC/2015, art. 516.

Em inúmeros julgados, as Turmas que compõem a 3ª Seção do TRF da 4ª Região vêm exigindo atos de cumprimento perante o Tribunal. Ocorre que o juízo funcionalmente competente para resolver a esse respeito (e dar início ao cumprimento provisório) é aquele que julgou a causa em primeira instância.

A regra é a mesma tanto no CPC/1973 como no CPC/2015:

CPC/2015. Art. 516.  O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante:
I - os tribunais, nas causas de sua competência originária;
II - o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição;
III - o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo.
         
O Tribunal determina o cumprimento da obrigação perante ele mesmo (e sem requerimento) quando, por lei, o cumprimento deveria ser requeridoperante o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição”. É flagrante, portanto, a violação aos dispositivos legais citados.

É claro que o Tribunal pode antecipar tutela. Para isso tem competência, mas precisa analisar expressamente os requisitos, dentre os quais o requerimento da parte (art. 299 do CPC/2015).

Note-se que o pedido de cumprimento junto ao Juízo de primeiro grau sequer depende de uma ordem especial (decisão mandamental) manifesta no acórdão. É algo simples, sem qualquer complicador: como o recurso especial e extraordinário não contam com efeito suspensivo, basta que a parte beneficiada pelo acórdão faça cópia das peças necessárias e requeria ao juiz de primeiro grau que intime pessoalmente a parte contrária para o cumprimento provisório (tudo previsto e detalhado pelo art. 522 do CPC/2015).

Quanto ao juízo competente para a fase de cumprimento (seja provisório ou definitivo), há unanimidade na doutrina e na jurisprudência (dos outros tribunais). Confira-se:

[...]. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO APENAS PARA INDEFERIR O PEDIDO DE EXECUÇÃO IMEDIATA. [...] 8. A inexistência de trânsito em julgado, diante da interposição de Embargos de Divergência, o qual não possui efeito suspensivo, não se antagoniza com eventual pedido de execução provisória, que deve ser pleiteado no Juízo de origem, mas não pode ser obliquamente determinado, como se fosse carta de ordem, na jurisdição desta 1ª Seção, já exaurida ao julgamento no AgRg no AEREsp 95.486/AL. [...] (RCD na PET nos EAREsp 95.486/AL, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 03/11/2014)

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SENTENÇA PROFERIDA POR JUSTIÇA FEDERAL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. COMPETÊNCIA FUNCIONAL. ART. 475-P, II, DO CPC. [...]  2. A competência para o cumprimento de sentença é funcional e, consectariamente, absoluta, devendo processar-se 'perante o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição', nos exatos termos do disposto no inciso II, do art. 475-P, do CPC. [...]. (CC 62.083/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2009, DJe 03/08/2009)

[...] 7. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do artigo 461 do CPC. [...] É o relatório. Decido. [... O] recurso não deve ser admitido por esta Corte Superior ante a falta de prequestionamento. Incide à hipótese o enunciado da Súmula 282/STF. No respeitante ao pedido do recorrido, feito às fls. 370-372 por meio da PET n. 00110400/2014, ressalto que o cumprimento do decisum deve ser requerido no Juízo de origem, os termos do que dispõe o artigo 475-P do CPC. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso especial com fundamento no caput do artigo 557 do CPC. (STJ, RESP 1.437.775/PR, Ministro BENEDITO GONÇALVES, monocrática, 25/04/2014)

Juízo competente para o cumprimento da sentença. Transformada a atividade executiva, após o aperfeiçoamento do título executivo judicial, em simples fase do processo, a competência para realizar o cumprimento da sentença submete-se a critério funcional, mormente quando se trata de sentença prolatada no próprio juízo civil. Por competência funcional entende-se a que provém da repartição das atividades jurisdicionais entre os diversos órgãos que devam atuar dentro de um mesmo processo. Assim, não importa que a execução se refira ao acórdão que o tribunal proferiu em grau de recurso. Quando se passa à fase de cumprimento do julgado, os atos executivos serão processados perante o juiz de primeiro grau. [...] Determina o art. 475-P que o cumprimento da sentença deverá efetuar-se perante: I – os tribunais nas causas de sua competência originária; II – o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição; III – o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral ou de sentença estrangeira. [...] A regra fundamental é que a execução da sentença compete ao juízo da causa, e como tal entende-se aquele que a aprecia em primeira ou única instância, seja juiz singular ou tribunal. Em outras palavras, juízo da causa é o órgão judicial perante o qual se formou a relação processual ao tempo do ajuizamento do feito. (THEODORO JR, Curso de direito processual civil, II, 2014, p. 239-240)

Demonstrada, assim, a contrariedade ao CPC/2015, art. 516.

Ausência do requisito fundamental da iniciativa da parte para o cumprimento provisório. Contrariedade ao CPC/2015, art. 520 I e § 5o. Ne proceda judex ex officio.

Cumprimento definitivo e cumprimento provisório. Por definição, no cumprimento definitivo cumpre-se decisão transitada em julgado. E no cumprimento provisório cumpre-se uma decisão sem trânsito em julgado.

A provisoriedade do cumprimento é sempre reflexo da provisoriedade do título no qual ele se apoia.

E qual é a essência da provisoriedade?

A essência da provisoriedade da execução consiste na preservação de meios destinados a desfazer os efeitos dos atos constritivos que chegarem a ser realizados, dispondo expressamente a lei que ela "fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as coisas ao estado anterior" (DINAMARCO, Instituições, IV)

Em razão da provisoriedade, que significa dever de desfazer os efeitos, o CPC condiciona esse tipo de cumprimento ao requerimento da parte:

Art. 522.  O cumprimento provisório da sentença será requerido por petição dirigida ao juízo competente.

Conforme explica Theodoro Jr. ...

Não há execução, ex officio, no processo civil, de maneira que, seja provisória, seja definitiva, a execução forçada dependerá sempre de promoção do credor. [...] Os procedimentos executivos são vários e se adaptam à natureza da prestação a executar (obrigações de fazer ou não fazer, de entrega de coisa, e de quantia certa). (THEODORO JR, Curso de direito processual civil, II, 2014, p. 322)

Mesmo que a petição inicial contenha pedido de implantação do benefício, daí não se pode concluir que a parte tenha pedido implantação antes do trânsito em julgado. A propositura da ação objetiva, em princípio, a tutela definitiva. Ou seja, ela não traz implícito pedido de cumprimento provisório. O pedido de cumprimento provisório precisa ser expresso (e formulado no juízo originário, conforme demonstrado), pois assim a lei exige. Além do mais, tal pedido traz consequências (responsabilidade objetiva) para o requerente.

A regra, no CPC/2015, é clara:

CPC/2015. Art. 520.  O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, sujeitando-se ao seguinte regime:
I - corre por iniciativa e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;
II - fica sem efeito, sobrevindo decisão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos; [...]

E, também nessa questão, doutrina e jurisprudência (inclusive em recurso repetitivo) mostram-se unânimes:

A execução provisória, à sua vez, por expressa dicção legal, "corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exequente" (art. 475-O, inciso I, do CPC), circunstância que revela ser por deliberação exclusiva do credor provisório que os atos tendentes à satisfação do crédito se têm por iniciados. Por isso é importante que o vencedor no processo de conhecimento também pondere com atenção as vantagens de se pleitear o cumprimento provisório da sentença, mesmo porque pode responder objetivamente por eventuais danos causados ao executado. Portanto, pendente recurso "ao qual não foi atribuído efeito suspensivo" (art. 475-I, § 1º, do CPC), a lide ainda é evitável e a "causalidade" para instauração do procedimento provisório deve recair sobre o exequente.  (STJ, REsp repetitivo 1.291.736/PR, trecho do voto condutor, do Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, unânime, Dje 19/12/2013)

O juízo de conveniência e oportunidade de cumprimento da decisão provisória pertence ao demandante, que deve sopesar o risco naturalmente implicado na concretização da tutela do direito enquanto pendente recurso da decisão objeto de cumprimento. (MARINONI e MITIDIERO, CPC Comentado Artigo por Artigo, 2013, p. 492)

Ora, se a execução definitiva (art. 475-I, § 1°) pode gerar responsabilidade quando a decisão dada à impugnação e à execução (arts. 475-L e 475-M) declara "inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução" (art. 574), o que não dizer da provisória que é fundada em sentença ainda passível de reforma pelo órgão de segunda instância? (COSTA MACHADO, CPC interpretado e anotado, 2013, p. 878)

Nem se diga que a determinação de implementação imediata do benefício previdenciário tem caráter mandamental, e não de execução provisória, como se isso excluísse as decisões mandamentais da regra do art. 520 do CPC/2015. Ora, o cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer (em relação ao qual se utiliza da técnica da decisão mandamental), também gera responsabilidade objetiva do requerente e necessidade de retorno ao status quo ante. Confira-se o que diz o CPC:

CPC/2015, art. 520, § 5o Ao cumprimento provisório de sentença que reconheça obrigação de fazer, de não fazer ou de dar coisa aplica-se, no que couber, o disposto neste Capítulo [i.e., Capítulo II, referente ao cumprimento provisório de obrigação de pagar quantia certa].

É claro que uma ordem dada no acórdão é mandamental. Essa não é questão. A questão é se a Turma julgadora poderia dar tal ordem e, no caso, não poderia. Deveria ter se limitado à condenação na obrigação de fazer, a ser cumprida quando da iniciativa da parte favorecida. A esta, basta que requeira o cumprimento da decisão não sujeita a recurso com efeito suspensivo, na forma do CPC/2015, art. 522. E essa iniciativa é indispensável justamente em razão do caráter provisório do cumprimento.

Se ainda pairava alguma dúvida quanto ao dever de restituição, mesmo quando se trata de benefícios ou salários,[1] mesmo recebidos por força de decisão judicial que vem a ser reformada, já estão superadas pela jurisprudência mais recente do STJ:

Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.401.560 - MT)

Nesse mesmo precedente, a recorrida interpôs embargos de declaração, alegando que a tutela fora concedida de ofício e, portanto, não poderia ser penalizada. O STJ decidiu que mesmo nessa hipótese os valores devem ser restituídos.

Embora várias decisões regionais e cerca de duas do STJ façam distinção entre os recebimentos por força de antecipação de tutela e os recebimentos por força de acórdão não transitado em julgado, para o CPC, todo o cumprimento provisório (decisão sem trânsito) submete-se à mesma regra: reversibilidade completa.

No mesmo sentido, foi provida no STF RECLAMAÇÃO do INSS N. 12.659/RS contra acórdão do TRF da 4ª Região, por declaração de inconstitucionalidade velada do art. 115 da Lei n. 8.213/1991. (Artigo, aliás, também invocado como fundamento do dever de restituir, no RESP repetitivo 1.401.560, fato que demonstra que esse dever é bem mais amplo, tanto que abarca todo o tipo de decisão, seja administrativa ou judicial).

Aqui cabe o paralelo com o entendimento sobre a correção monetária, consagrado em todos os tribunais: “a correção monetária não traduz acréscimo patrimonial. Sua aplicação não gera qualquer incremento no capital, mas tão-somente o restaura dos efeitos corrosivos da inflação.” Da mesma forma, pode-se dizer da restituição de valores recebidos precariamente: “a restituição não traduz acréscimo patrimonial. Sua efetivação não gera qualquer incremento no capital, mas tão-somente o repara os efeitos do pagamento indevido.”

Sendo assim, nada mais óbvio do que a exclusividade da iniciativa do credor provisório. Uma vez que a responsabilidade por tal ato recai sobre o credor que exigiu o cumprimento provisório, não pode o juiz adotar ex officio a iniciativa de determinar os atos satisfativos. O que ele pode fazer ex officio limita-se à escolha e adoção das medidas coercitivas, conforme previsto expressamente no CPC/2015, art. 536. A mesma previsão não existe, contudo, quanto à iniciativa de exigir o cumprimento provisório.

No Novo CPC (Lei n. 13.105/2015), a regra fica ainda mais clara:

CPC/2015, art. 520, § 5o Ao cumprimento provisório de sentença que reconheça obrigação de fazer, de não fazer ou de dar coisa aplica-se, no que couber, o disposto neste Capítulo [i.e., Capítulo II, referente ao cumprimento provisório de obrigação de pagar quantia certa].

Em suma, o CPC/2015 determina expressamente a aplicação das regras referentes à execução provisória por quantia certa ao cumprimento provisório das obrigações de fazer ou não fazer.

Demonstrou-se, assim, que o procedimento do 3ª Seção do TRF da 4ª Região contraria o CPC/2015, art. 520 I e § 5º.

Necessidade de caução idônea ou de decisão fundamentada que a dispense. Contrariedade ao CPC/2015, art. 520, IV.
         
Por fim, além da iniciativa da parte, a lei exige caução idônea para o cumprimento de decisões judicias antes do trânsito em julgado.    

Hoje é possível alcançar-se, na execução provisória, todos os efeitos práticos da execução definitiva. O único requisito para que isso se dê é a prestação, pelo exequente, de caução idônea. (NERY JR, p. 907)

A Colenda Seção não costuma arbitrar caução. Contudo, o art. 520 do CPC estabelece que ...

IV - o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.

O CPC/2015, art. 520, IV, do CPC é inconstitucional? Se não, deve ser aplicado.

Mas, além disso, o inciso quarto é importante porque afasta por completo a tese de que o recebedor teria direito a presumir que, em caso de reforma da decisão, jamais teria de restituir o que recebeu. Ora, se a lei manda inclusive prestar caução, é evidente que o exequente não está imune ao dever de restituição do que foi recebido, de forma a propiciar perfeito retorno ao status quo ante. Está na lei. O requerente do cumprimento provisório deve conhecer a lei, especialmente porque representado por advogado.

Em suma, pelos diversos ângulos que a questão pode ser examinada, a orientação jurisprudencial adotada pelo TRF da 4ª Região descumpre o CPC/2015.






[1] NATUREZA ALIMENTAR: Note-se que os alimentos provisionais, diferentemente de um mero percentual de majoração em um benefício previdenciário, são: irrenunciáveis (CC/2002, art. 1.707), recíprocos (art. 1.696), pagos na proporção da necessidade (art. 1.694 § 1o) e reduzíveis a qualquer tempo (art. 1.699). Não vem ao caso discutir aqui a jurisprudência sobre a irrepetibilidade dos alimentos provisionais. Cabe apenas registrar que mesmo esta é duramente criticada por Marco Antônio Botto Muscari, em excelente artigo: Aspectos controvertidos da ação de alimentos. Revista de Processo, São Paulo (103): 123-45, jul.-set/2001.

Nenhum comentário: