A
Lei n. 8.213/1991 contém norma específica para o cálculo da renda da
aposentadoria de professor. Ela diz:
Art. 29. O
salário-de-benefício consiste:
I - para os
benefícios de que tratam as alíneas b e c [aposentadoria por tempo de
contribuição] do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período
contributivo, multiplicada pelo fator
previdenciário;
...
§ 9o Para efeito da aplicação do fator
previdenciário, ao tempo de contribuição do segurado serão adicionados:
...
II - cinco anos, quando se tratar de professor
que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de
magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio;
III - dez anos, quando se tratar de professora
que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de
magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.
Professores
e professoras, segurados do Regime Geral de Previdência Social-RGPS, vêm
sustentando em juízo que a própria Constituição lhes garante aposentadoria com tempo de contribuição reduzido. De
fato, conforme a Constituição ...
Art. 201. A previdência
social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e
de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
§ 7º É assegurada
aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei,
obedecidas as seguintes condições:
I - trinta e cinco
anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
§ 8º Os requisitos a que se refere o inciso I do
parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que
comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na
educação infantil e no ensino fundamental e médio.
Os
professores costumam alegar que a aplicação do fator previdenciário esvazia
esse direito, por forçá-los a trabalhar mais tempo. Como a idade e a expectativa de vida
fazem parte da fórmula do fator previdenciário (Lei n. 9.876/1999), e como a
aposentadoria com tempo de contribuição reduzido (que lhes é garantida)
normalmente é também uma aposentadoria com idade reduzida, professores e
professoras alegam que a lei lhes retirou aquilo que a Constituição garantiu.
Em suma, questionam a constitucionalidade da lei.
A
tese é tentadora e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região a acolheu. A Corte
Especial, por maioria, concluiu pela ...
...
inconstitucionalidade do inciso I do
artigo 29 da Lei 8.213/91, sem redução do texto, e dos incisos II e III do § 9º
do mesmo dispositivo, com redução de texto, em relação aos professores que atuam na educação infantil e no
ensino fundamental e médio. (TRF4, Arg. Inc. 5012935-13.2015.4.04.0000, Relator
Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Corte Especial, maioria, julg.
23/06/2016)
Examinemos detidamente a questão, para saber se a Constituição
ou as leis permitem às professoras e professores a aposentadoria com tempo de
contribuição reduzido e sem aplicação do
fator previdenciário.
A aposentadoria de professor não pode ser tratada como aposentadoria especial. Contrariedade à
CRFB/1988, art. 201 §§ 1º, 7º e 8º e art. 5º caput, e ao CPC/2015, art. 489 §
1º
A Corte Especial do TRF da 4ª Região reconhece que “o Supremo Tribunal Federal vem negando à
aposentadoria do professor de educação infantil, ensino fundamental e
médio, a qualidade de aposentadoria especial”. Nada obstante, decide
dar à aposentadoria de professor tratamento de aposentadoria especial.
Aposentadoria
especial é aquela concedida aos segurados que trabalham, de forma
permanente, expostos a condições prejudicias à saúde ou à integridade física
(Lei n. 8.213/1991, art. 57). Essa espécie de aposentadoria não sofre a
incidência do fator previdenciário no cálculo da sua renda mensal (idem, art.
29, II).
Para dar à aposentadoria de professor o tratamento de
aposentadoria especial, o acórdão invocou o
status constitucional do benefício, o princípio
da proporcionalidade e o princípio da
isonomia. Esses, porém, são fundamentos que se prestarim a justificar
qualquer decisão e, portanto, resultam em uma decisão não fundamentada, nos termos do CPC/2015, art. 489 ...
...
§ 1o Não se considera fundamentada
qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
[...] II - empregar conceitos jurídicos
indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam
a justificar qualquer outra decisão; [...]
Ora, a aposentadoria comum por tempo de contribuição também
tem previsão constitucional (art. 201 § 7º) e nem por isso está imune ao fator
previdenciário. E quando o segurado é mulher,
essa aposentadoria também se dá com tempo de contribuição reduzido (30 anos) em
comparação com a aposentadoria do homem (35 anos). Nem por isso a Corte
Especial cogitou de quebra da proporcionalidade nessa relação. Na verdade,
quebra da proporcinalidade, e violação da isonomia (CRFB/1988, art. 5º caput),
é o que promove o acórdão comentado, pois a aposentadoria (comum) por tempo de
contribuição da mulher e a aposentadoria de professor homem têm idêntico tratamento
constitucional: valor integral com trinta anos de constribuição. Ou seja, para
o Constituinte, estavam em status de
igualdade. Mas o acórdão comentado inseriu uma diferenciação, desrespeitando
inclusive a vedação de “adoção de
requisitos e critérios diferenciados” (CRFB/1988, art. 201 § 1º).
Majoração de benefícios exige indicação da fonte de custeio.
Violação da CRFB/1988, art. 195 § 5º
A Constituição e a Lei conferem aos professores o direito de
aposentar-se com menor tempo de
contribuição e não de se aposentar
mais jovens. Nada mais lógico, portanto, que esse favorecimento legal seja
levado em conta na incidência do fator previdenciário. Mas apenas o tempo de contribuição, e não a idade. Caso contrário, haveria
discriminação injustificada em relação aos demais trabalhadores. Quanto ao tempo de constribuição, a própria lei o
conta de forma majorada para fins do fator previdenciário, de modo a manter o
direito dos professores (Lei n.
8.213/1991, art. 29, §
9º, citado no início do texto).
O fator previdenciário foi criado para que todos respondam pelo custo de
aposentadoria em idade precoce. E nesse aspecto não há por que distinguir os
professores.
Repita-se: a Constituição e a Lei privilegiam exclusivamente
seu tempo de contribuição. Isso já tem um
custo:
(a) Com a mesma idade, mesmo
tempo de contribuição real, e mesmos salários-de-contribuição, a
aposentadoria de professor tem uma renda
maior que a aposentadoria comum.
(b) Ou, colocado de outra forma: com a mesma idade, mesmos
elementos de cálculo e cinco anos a menos
de contribuição, a aposentadoria de professor recebe a mesma renda que a aposentadoria comum.
Esse custo preseume-se previsto pelo legislador. Contudo, na
forma que decidido pelo acórdão comentado, o
custo aumenta: com a mesma idade, mesmos elementos de cálculo e cinco anos a menos de contribuição, a
aposentadoria de professor terá uma renda
maior que a aposentadoria comum. E tudo isso sem alterar o único elemento
do cálculo que a Constituição privilegia: o tempo de contribuição.
Dessa forma, por criar um benefício mais caro, que dependia
de iniciativa legislativa e indicação de fonte de custeio integral, o acórdão violou flagrantemente a CRFB/1988, art. 195
§ 5º, que estabelece:
§
5º Nenhum benefício ou serviço da
seguridade social poderá ser criado, majorado
ou estendido sem a correspondente fonte
de custeio total.
Não cabe ao Tribunal Regional declarar inconstitucional a
norma que o STF declarou constitucional. Violação da CRFB/1988, art. 102 § 2º e
da autoridade da decisão do STF na ADI 2111 MC; e do CPC/2015, art. 949
Nos termos da Constituição, art. 102 ...
§
2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações diretas de
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade
produzirão eficácia contra todos e
efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal.
O Supremo já declarou expressamente
a constitucionalidade do “art.
2o da Lei nº 9.876/99, na parte
em que deu nova redação ao art. 29,
'caput', incisos e parágrafos, da Lei nº 8.213/91” (ADI 2111 MC,
Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 16/03/2000).
E o que o acórdão comentado fez? Declarou a
inconstitucionalidade de três incisos do
art. 29 da Lei n. 8.213/1991. Note-se: incisos que o STF já declarou
constitucionais em decisão cautelar na ADI acima.
Cabe lembrar que mesmo a negativa de cautelar em ADI possui
efeito vinculante, desde que o razão
da negativa seja de mérito. De outra
forma, não teria utilidade alguma a decisão liminar. Nesse sentido, citam-se
alguns precedentes que garantem a autoridade das
decisões
que, em controle abstrato de constitucionalidade, indeferem a liminar por razões de mérito:
Cabe enfatizar, de
outro lado, que o fato de existir decisão plenária do Supremo Tribunal Federal,
veiculadora de juízo meramente provisório reafirmador da validade
constitucional de determinado ato estatal, proferida em sede de controle
normativo abstrato, também não se qualifica, por si só, como fator impeditivo
do imediato julgamento da causa, por seu Relator. É que, em tal situação, o juízo cautelar encerra, em seus aspetos
essenciais, embora em caráter provisório, as mesmas virtualidades inerentes ao
julgamento definitivo da ação direta de inconstitucionalidade. Mesmo que se
cuide, portanto, de juízo cautelar
negativo, resultante do indeferimento do pedido de suspensão provisória da
execução do ato impugnado, ainda assim essa deliberação proferida em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade
- terá o efeito de confirmar a validade jurídica da espécie em questão,
preservando-lhe a integridade normativa, ensejando-lhe a conservação no sistema
de direito positivo e viabilizando-lhe a integral aplicabilidade ... (AI 384121
AgR, Relator(a): Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 08/10/2002)
Aduz, por fim, que
o efeito vinculante atribuído à medida cautelar, quando deferida, não se aplica
à hipótese em que referida liminar é indeferida, ressaltando que “no caso em tela não há que se atribuir
efeitos vinculantes ou erga omnes às ADIn's 2.110 e 2.111, uma vez que foram
relatadas com liminar apenas pelo Ministro Sidney Sanches” (fl. 221). É o
relatório.
VOTO [...] Por
fim, não obstante a alegação do
agravante de que a medida cautelar indeferida não possui efeito vinculante,
este Tribunal fixou o entendimento no sentido de que a existência de decisão
plenária, em controle abstrato, de que tenha resultado o indeferimento do pedido de medida cautelar, não impede
o julgamento de outros processos sobre idêntica controvérsia.[1] Nesse sentido, o RE 366.133-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello,
onde firmou-se o entendimento de que
“Mesmo que se
cuide, portanto, de juízo cautelar
negativo, resultante do indeferimento do pedido de suspensão provisória da
execução do ato impugnado, ainda assim essa deliberação - proferida em sede de
fiscalização concentrada de constitucionalidade - terá o efeito de confirmar a validade jurídica da espécie em questão,
preservando-lhe a integridade normativa, ensejando-lhe a conservação no sistema
de direito positivo e viabilizando-lhe a integral aplicabilidade”.
Nessa mesma linha,
o RE 500.306-ED/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, cuja ementa segue transcrita:
“RECURSO
EXTRAORDINÁRIO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO -
RESSARCIMENTO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) - ART. 32 DA LEI Nº 9.656/98 -
CONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA CAUTELAR APRECIADA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL - POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO IMEDIATO DE OUTRAS CAUSAS,
VERSANDO O MESMO TEMA, PELAS TURMAS OU JUÍZES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, COM FUNDAMENTO NO ‘LEADING CASE’ - RECURSO
DE AGRAVO IMPROVIDO. A DENEGAÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR, EM SEDE DE CONTROLE
NORMATIVO ABSTRATO, NÃO IMPEDE QUE SE PROCEDA AO JULGAMENTO CONCRETO, PELO
MÉTODO DIFUSO, DE IDÊNTICO LITÍGIO CONSTITUCIONAL. - A existência de decisão
plenária, proferida em sede de controle normativo abstrato, de que tenha resultado o indeferimento do pedido de
medida cautelar, não impede que se proceda, desde logo, por meio do
controle difuso, ao julgamento de causas em que se deva resolver, ‘incidenter
tantum’, litígio instaurado em torno de idêntica controvérsia constitucional.
Precedentes”.
No mesmo sentido,
menciono, ainda, os seguintes precedentes: RE 219.146/RN e RE 224.835/RN, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence; AI 761.990- AgR/GO, de minha relatoria. Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.
(STF, RE 643213
AgR, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em
05/06/2012)
Por outro lado,
quanto à alegação de que não existe
decisão de mérito proferida na ADI 1. 931-MC, este Tribunal fixou o
entendimento no sentido de que "[m]
esmo que se cuide, portanto, de juízo
cautelar negativo, resultante do indeferimento do pedido de suspensão
provisória da execução do ato impugnado, ainda assim essa deliberação proferida
em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade - terá o efeito de confirmar a validade jurídica da
espécie em questão, preservando-lhe a integridade normativa, ensejando-lhe
a conservação no sistema de direito positivo e viabilizando-lhe a integral
aplicabilidade" [RE n. 366.133-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello,
DJ de 15.8.03]. (RE 597261 AgR, Relator(a): Min. Eros Grau, Segunda Turma,
julgado em 23/06/2009)
Por outro lado,
quanto à alegação de que não existe decisão de mérito proferida na ADI
1.931-MC, este Tribunal fixou o entendimento no sentido de que "[m]esmo
que se cuide, portanto, de juízo
cautelar negativo, resultante do
indeferimento do pedido de suspensão provisória da execução do ato
impugnado, ainda assim essa deliberação
proferida em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade - terá o efeito de confirmar a validade
jurídica da espécie em questão, preservando-lhe
a integridade normativa, ensejando-lhe
a conservação no sistema de direito positivo e viabilizando-lhe a integral
aplicabilidade" [RE n. 366.133-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello,
DJ de 15.8.03]. (RE 488026 AgR, Relator(a): Min. Eros Grau, Segunda Turma,
julgado em 13/05/2008)
É
certo que existem precedentes do STF negando efeito vinculante para decisões
que negam liminar em ADI, mas todos estão circunscritos a um evento específico:
a ADI 2.797, que trata do foro
privilegiado para algumas autoridades. Reclamações por descumprimento da
liminar dessa ADI foram indeferidas porque a negativa da cautelar ocorreu por razões
processuais e também porque, quando formuladas as reclamações, o mérito
da ADI já havia sido julgado.
Por
fim, por já haver pronunciamento do plenário do STF sobre a questão, ela não
poderia sequer ter sido submetida à Corte Especial do Tribunal Regional. É o
que dispõe o CPC/2015, art. 949, parágrafo único:
Parágrafo único.
Os órgãos fracionários dos tribunais não
submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de
inconstitucionalidade quando já houver
pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a
questão.
Portanto,
a Corte Especial que julgou o incidente contrariou frontalmente CPC/2015, art.
949, parágrafo único.
Quebra de isonomia?
Aumentar a renda de benefícios previdenciários por alegada ofensa ao princípio da isonomia é algo
arriscado. Mais arriscado ainda quando se invoca a isonomia na fórmula “tratar
diferentes de modo diferente”. Ora, todas as pessoas são diferentes das outras
em alguma característica. Compete justamente às escolhas democráticas valorar o
elemento que caracteriza cada grupo destinatário de cada norma. E justamente
por isso o abuso na aplicação do princípio da isonomia é algo extremamente
antidemocrático.
Pois bem, a Constituição, diretamente, escolheu o tempo de contribuição/serviço exclusivo
como elemento a ser privilegiado na aposentadoria dos professores e
professoras. Tempo exclusivo porque,
diferentemente dos trabalhadores sujeitos a condições prejudiciais à saúde, que
podem converter pequenos intervalos
de tempo especial em comum, o professor não pode converter o tempo trabalhado:
ou permanece vinte e cinco ou trinta anos na atividade de professor, ou esse
tempo conta de forma simples. Esses detalhes demonstram que a Constituição
valorizou a permanência por longo prazo na atividade de professor, e, como
forma de valorização, autorizou a aposentadoria com tempo menor. Bem diferente do trabalhador exposto a condições
prejudiciais à saúde, ao qual, ao contrário do professor, é vedada a
permanência na mesma atividade depois de certo tempo (Lei n. 8.213/1991, art.
57, § 8º).
Exceções e privilégios devem ser interpretados
restritivamente. Em momento algum a Constituição ou a lei conferiram ao
professor o direito de aposentar-se mais
jovem que os demais trabalhadores. Raciocínios morais poderiam afirmar que
isso é o certo, em detrimento das
escolhas e direitos da coletividade que custeia o benefício. Mas o privilégio
do professor foi concedido por uma Constituição democrática. Não fosse assim,
sequer ele existiria. E essa mesma Constituição definiu em que consiste o
direito.
O argumento da ladeira
escorregadia algumas vezes é aceitável e este parece ser o caso. O fator
previdenciário foi afastado da aposentadoria
de professor para igualá-la, nesse aspecto, à aposentadoria especial. Também foi afastado para diferenciá-la,
nesse aspecto, da aposentadoria comum.
As duas faces do princípio da isonomia foram invocadas. Com base em semelhante
critério, as seguradas do sexo feminino poderiam pedir o fastamento do fator
previdenciário da sua aposentadoria por tempo de contribuição, por isonomia com
o professor do sexo masculino, pois para ambos o tempo de contribuição exigido
é o mesmo (trinta anos). Em seguida, os aposentados comuns por tempo de contribuição poderiam pedir que
o fator previdenciário lhes fosse facultativo, por isonomia com os aposentados por idade. E os homens poderiam pedir para se aposentar com o mesmo tempo de
contribuição ou com a mesma idade que as mulheres,
afinal, a discriminação é antiisonômica. Logo depois, os trabalhadores sujeitos
a condições prejudiciais à saúde defenderiam o direito à aposentadoria
proporcional, dizendo-se discriminados em relação ao trabalhador comum. Ao
final, a igualação entre diferentes levaria a novos pedidos de diferenciação e
a diferenciação entre iguais levaria a novos pedidos de igualação, até chegar a
um ponto no qual todos receberiam o máximo possível com o mínimo possível de
contribuições e com a menor idade possível. Algum sistema previdenciário seria
viável nessas condições? É evidente que não. Precisamente por isso essas
escolhas competem ao Legislativo.
O Supremo Tribunal Federal
percebeu, desde cedo, a armadilha, e editou a Súmula 339, em 1963. Atualmente,
o entendimento foi convertido em Súmula Vinculante:
Súmula Vinculante n. 37/STF: Não cabe ao
Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.
É claro que os benefícios
previdenciários não são “vencimentos de
servidores públicos” mas, da mesma forma que esses, são pagos pelos cofres
públicos e custeados por toda a sociedade. Por essa razão, sua majoração depende de Lei, pena de violar o
princípio da separação de poderes (CRFB/1988, art. 2º e art. 60, § 4º, III). O
STF aplica esse entendimento aos benefícios previdenciários:
Cumpre assinalar, ainda, por
necessário, que não se revela constitucionalmente possível, ao Poder
Judiciário, sob fundamento de isonomia, estender, em sede
jurisdicional, majoração de benefício
previdenciário, quando inexistente, na lei (como sucede na
espécie), a indicação da correspondente fonte de custeio total, sob
pena de o Tribunal, se assim proceder, atuar na anômala condição de
legislador positivo (RTJ 143/57 – RTJ 153/765 – RTJ 161/739-740
– RTJ 175/1137, v.g.), transgredindo, desse modo, o
princípio da separação de poderes.
É que a majoração de
benefícios previdenciários, além de submetida ao postulado da
contrapartida (CF, art. 195, § 5º), também depende, para
efeito de sua veiculação, da observância do princípio da reserva de
lei. (STF, RE 567360 ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado
em 09/06/2009, trecho do voto)
Conforme visto, a invocação da isonomia não pode servir de fundamento para que o magistrado eleja
o critério de identificação ou de distinção que bem entender, especialmente
quando se trata de prestações positivas do Estado, que são custeadas por toda a
coletividade. A coletividade tem seus representantes no Congresso Nacional
justamente para fazer esse tipo de escolha.
Jurisprudência do STF e STJ
A jurisprudência superior sobre o tema pode ser assim
sistetizada: o STF entende que o fator previdenciário é constitucional e que a aplicabilidade do fator previdenciário na
aposentadoria de professor constitui questão infraconstitucional. E o STJ,
tribunal com competência para uniformizar a interpretação da lei federal,
entende que o fator previdenciário é aplicável.
AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA
ESPECIAL. PROFESSOR. FATOR PREVIDENCIÁRIO. INCIDÊNCIA. QUESTÃO QUE DEMANDA
ANÁLISE DE DISPOSITIVOS DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. 1. A incidência do fator previdenciário no
cálculo da renda mensal inicial do benefício de aposentadoria especial de professor, quando sub judice a
controvérsia, revela uma violação
reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de
análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional, o que torna
inadmissível o recurso extraordinário. Precedentes: AI 689.879-AgR, Rel. Min.
Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 26/9/2012 e o ARE 702.764-AgR, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 4/12/2012. 2. In casu, o acórdão
recorrido manteve a sentença, por seus próprios fundamentos, a qual dispôs: “A aposentadoria dos professores não se
confunde com a aposentadoria especial prevista no regime geral de
previdência social. As normas constitucionais e infraconstitucionais
existentes, no caso dos professores, tratam apenas de aposentadoria por tempo
de serviço de caráter excepcional, assim como faz também, por exemplo, com a
aposentadoria por idade do segurado especial. Verifica-se, assim, que a lei compensa, com o acréscimo de cinco
anos para o professor e de dez anos para a professora, as reduções de tempo de
contribuição em relação à aposentadoria comum, com trinta e cinco anos.
Portanto, tendo a lei tratado as
peculiaridades das diferentes aposentadorias de forma diversa, de modo a
corrigir as distorções que poderiam ser causadas pela aplicação pura e simples
do fator previdenciário, não sendo punido com a aplicação de um fator maior
aquele professor ou professora que exercer seu direito de aposentadoria com
tempo reduzido em relação aos demais trabalhadores, não foi ferido o princípio isonômico”. 3. Agravo regimental
DESPROVIDO. (ARE 718275 AgR, Relator(a):
Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 08/10/2013)
AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. FATOR
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 29, I, DA LEI N. 8.213/1991. ADI-MC
2.111. 1. O Supremo Tribunal Federal já assentou, no julgamento da ADI-MC
2.111, a constitucionalidade do fator
previdenciário previsto no art. 29, I, da Lei 8.213/1991, com a alteração
dada pela Lei 9.876/1999. 2. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no
sentido de que, com o advento da EC 20/1998, os critérios para o cálculo de benefícios previdenciários são de competência
do legislador ordinário. Desse modo, eventual divergência em relação ao
entendimento adotado pelo juízo a quo, demandaria a análise da legislação
infraconstitucional aplicável à espécie. 3. Agravo regimental a que se nega
provimento. (ARE 945291 AgR, Relator(a):
Min. Edson Fachin, Primeira Turma, julgado em 21/06/2016)
...
2. Conforme asseverado na decisão agravada, incide o fator previdenciário no cálculo do salário de benefício da
aposentadoria por tempo de
serviço/contribuição de professor quando a segurada não tiver tempo
suficiente para a concessão do benefício anteriormente à edição da Lei 9.876,
de 1999, como no presente caso, conforme asseverado pelo Tribunal a quo. 3.
Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1527888/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/10/2015, DJe 09/11/2015)
No mesmo sentido: REsp 1423286/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado
em 20/08/2015, DJe 01/09/2015.
Conclusão
Conclusão
Não se defende aqui a quebra da isonomia ou a edição de leis
arbitrárias, destituídas de finalidade. Mas qualquer discussão que vá além da igualdade perante a lei, e busque a igualdade real, envolve uma infinidade de pontos de vista possíveis. Não é à toa que Carlos Roberto de Siqueira Castro
chama essa discussão de “tormento de todo regime político”. Por isso, quando se
trata de anular escolhas do legislador, é necessário que a violação da isonomia
seja clara, livre de dúvidas, afastada do viés meramente ideológico. No caso da
aposentadoria dos professores, não parece haver qualquer discriminação. De
fato, eles contam com uma aposentadoria em condições privilegiadas. Sequer
haveria necessidade de ser assim (nenhuma invocação da isonomia levaria à
criação de tal norma privilegiadora). Mas uma Constituição democrática assim
quis e a mesma Constituição privilegiou exclusivamente o elemento tempo de contribuição. Como
consequencia, a elevada expectativa de vida e a idade reduzida contam
negativamente também para os professores, como para a grande maioria dos
aposentados.
[1] O trecho que diz
que a negativa da liminar “não impede o julgamento de outros processos sobre
idêntica controvérsia” consta apenas porque eram comuns pedidos de suspensão
dos processos individuais até que fosse julgada definitivamente a ADI. O
Supremo decidiu que não deveriam ficar suspensos.
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