sexta-feira, 30 de setembro de 2016

CONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DO FATOR PREVIDENCIÁRIO NA APOSENTADORIA DE PROFESSOR

A Lei n. 8.213/1991 contém norma específica para o cálculo da renda da aposentadoria de professor. Ela diz:

Art. 29. O salário-de-benefício consiste:

I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c [aposentadoria por tempo de contribuição] do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário;
...
§ 9o Para efeito da aplicação do fator previdenciário, ao tempo de contribuição do segurado serão adicionados:
...
II - cinco anos, quando se tratar de professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio;

III - dez anos, quando se tratar de professora que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

Professores e professoras, segurados do Regime Geral de Previdência Social-RGPS, vêm sustentando em juízo que a própria Constituição lhes garante aposentadoria com tempo de contribuição reduzido. De fato, conforme a Constituição ...

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:

I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; 

§ 8º Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

Os professores costumam alegar que a aplicação do fator previdenciário esvazia esse direito, por forçá-los a trabalhar mais tempo. Como a idade e a expectativa de vida fazem parte da fórmula do fator previdenciário (Lei n. 9.876/1999), e como a aposentadoria com tempo de contribuição reduzido (que lhes é garantida) normalmente é também uma aposentadoria com idade reduzida, professores e professoras alegam que a lei lhes retirou aquilo que a Constituição garantiu. Em suma, questionam a constitucionalidade da lei.

A tese é tentadora e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região a acolheu. A Corte Especial, por maioria, concluiu pela ...

... inconstitucionalidade do inciso I do artigo 29 da Lei 8.213/91, sem redução do texto, e dos incisos II e III do § 9º do mesmo dispositivo, com redução de texto, em relação aos professores que atuam na educação infantil e no ensino fundamental e médio. (TRF4, Arg. Inc. 5012935-13.2015.4.04.0000, Relator Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Corte Especial, maioria, julg. 23/06/2016)

Examinemos detidamente a questão, para saber se a Constituição ou as leis permitem às professoras e professores a aposentadoria com tempo de contribuição reduzido e sem aplicação do fator previdenciário.

A aposentadoria de professor não pode ser tratada como aposentadoria especial. Contrariedade à CRFB/1988, art. 201 §§ 1º, 7º e 8º e art. 5º caput, e ao CPC/2015, art. 489 § 1º

A Corte Especial do TRF da 4ª Região reconhece que “o Supremo Tribunal Federal vem negando à aposentadoria do professor de educação infantil, ensino fundamental e médio, a qualidade de aposentadoria especial”. Nada obstante, decide dar à aposentadoria de professor tratamento de aposentadoria especial.

Aposentadoria especial é aquela concedida aos segurados que trabalham, de forma permanente, expostos a condições prejudicias à saúde ou à integridade física (Lei n. 8.213/1991, art. 57). Essa espécie de aposentadoria não sofre a incidência do fator previdenciário no cálculo da sua renda mensal (idem, art. 29, II).

Para dar à aposentadoria de professor o tratamento de aposentadoria especial, o acórdão invocou o status constitucional do benefício, o princípio da proporcionalidade e o princípio da isonomia. Esses, porém, são fundamentos que se prestarim a justificar qualquer decisão e, portanto, resultam em uma decisão não fundamentada, nos termos do CPC/2015, art. 489 ...

... § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: [...] II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; [...]

Ora, a aposentadoria comum por tempo de contribuição também tem previsão constitucional (art. 201 § 7º) e nem por isso está imune ao fator previdenciário. E quando o segurado é mulher, essa aposentadoria também se dá com tempo de contribuição reduzido (30 anos) em comparação com a aposentadoria do homem (35 anos). Nem por isso a Corte Especial cogitou de quebra da proporcionalidade nessa relação. Na verdade, quebra da proporcinalidade, e violação da isonomia (CRFB/1988, art. 5º caput), é o que promove o acórdão comentado, pois a aposentadoria (comum) por tempo de contribuição da mulher e a aposentadoria de professor homem têm idêntico tratamento constitucional: valor integral com trinta anos de constribuição. Ou seja, para o Constituinte, estavam em status de igualdade. Mas o acórdão comentado inseriu uma diferenciação, desrespeitando inclusive a vedação de “adoção de requisitos e critérios diferenciados” (CRFB/1988, art. 201 § 1º).

Majoração de benefícios exige indicação da fonte de custeio. Violação da CRFB/1988, art. 195 § 5º

A Constituição e a Lei conferem aos professores o direito de aposentar-se com menor tempo de contribuição e não de se aposentar mais jovens. Nada mais lógico, portanto, que esse favorecimento legal seja levado em conta na incidência do fator previdenciário. Mas apenas o tempo de contribuição, e não a idade. Caso contrário, haveria discriminação injustificada em relação aos demais trabalhadores. Quanto ao tempo de constribuição, a própria lei o conta de forma majorada para fins do fator previdenciário, de modo a manter o direito dos professores  (Lei n. 8.213/1991, art. 29, § 9º, citado no início do texto).

O fator previdenciário foi criado para que todos respondam pelo custo de aposentadoria em idade precoce. E nesse aspecto não há por que distinguir os professores.

Repita-se: a Constituição e a Lei privilegiam exclusivamente seu tempo de contribuição. Isso já tem um custo:
(a) Com a mesma idade, mesmo tempo de contribuição real, e mesmos salários-de-contribuição, a aposentadoria de professor tem uma renda maior que a aposentadoria comum.
(b) Ou, colocado de outra forma: com a mesma idade, mesmos elementos de cálculo e cinco anos a menos de contribuição, a aposentadoria de professor recebe a mesma renda que a aposentadoria comum.

Esse custo preseume-se previsto pelo legislador. Contudo, na forma que decidido pelo acórdão comentado, o custo aumenta: com a mesma idade, mesmos elementos de cálculo e cinco anos a menos de contribuição, a aposentadoria de professor terá uma renda maior que a aposentadoria comum. E tudo isso sem alterar o único elemento do cálculo que a Constituição privilegia: o tempo de contribuição.

Dessa forma, por criar um benefício mais caro, que dependia de iniciativa legislativa e indicação de fonte de custeio integral, o acórdão violou flagrantemente a CRFB/1988, art. 195 § 5º, que estabelece:

§ 5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

Não cabe ao Tribunal Regional declarar inconstitucional a norma que o STF declarou constitucional. Violação da CRFB/1988, art. 102 § 2º e da autoridade da decisão do STF na ADI 2111 MC; e do CPC/2015, art. 949

Nos termos da Constituição, art. 102 ...

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

O Supremo já declarou expressamente a constitucionalidade do “art. 2o da Lei nº 9.876/99, na parte em que deu nova redação ao art. 29, 'caput', incisos e parágrafos, da Lei nº 8.213/91” (ADI 2111 MC, Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 16/03/2000).

E o que o acórdão comentado fez? Declarou a inconstitucionalidade de três incisos do art. 29 da Lei n. 8.213/1991. Note-se: incisos que o STF já declarou constitucionais em decisão cautelar na ADI acima.

Cabe lembrar que mesmo a negativa de cautelar em ADI possui efeito vinculante, desde que o razão da negativa seja de mérito. De outra forma, não teria utilidade alguma a decisão liminar. Nesse sentido, citam-se alguns precedentes que garantem a autoridade das decisões que, em controle abstrato de constitucionalidade, indeferem a liminar por razões de mérito:

Cabe enfatizar, de outro lado, que o fato de existir decisão plenária do Supremo Tribunal Federal, veiculadora de juízo meramente provisório reafirmador da validade constitucional de determinado ato estatal, proferida em sede de controle normativo abstrato, também não se qualifica, por si só, como fator impeditivo do imediato julgamento da causa, por seu Relator. É que, em tal situação, o juízo cautelar encerra, em seus aspetos essenciais, embora em caráter provisório, as mesmas virtualidades inerentes ao julgamento definitivo da ação direta de inconstitucionalidade. Mesmo que se cuide, portanto, de juízo cautelar negativo, resultante do indeferimento do pedido de suspensão provisória da execução do ato impugnado, ainda assim essa deliberação proferida em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade - terá o efeito de confirmar a validade jurídica da espécie em questão, preservando-lhe a integridade normativa, ensejando-lhe a conservação no sistema de direito positivo e viabilizando-lhe a integral aplicabilidade ... (AI 384121 AgR, Relator(a): Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 08/10/2002)

Aduz, por fim, que o efeito vinculante atribuído à medida cautelar, quando deferida, não se aplica à hipótese em que referida liminar é indeferida, ressaltando que “no caso em tela não há que se atribuir efeitos vinculantes ou erga omnes às ADIn's 2.110 e 2.111, uma vez que foram relatadas com liminar apenas pelo Ministro Sidney Sanches” (fl. 221). É o relatório.
VOTO [...] Por fim, não obstante a alegação do agravante de que a medida cautelar indeferida não possui efeito vinculante, este Tribunal fixou o entendimento no sentido de que a existência de decisão plenária, em controle abstrato, de que tenha resultado o indeferimento do pedido de medida cautelar, não impede o julgamento de outros processos sobre idêntica controvérsia.[1] Nesse sentido, o RE 366.133-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, onde firmou-se o entendimento de que
“Mesmo que se cuide, portanto, de juízo cautelar negativo, resultante do indeferimento do pedido de suspensão provisória da execução do ato impugnado, ainda assim essa deliberação - proferida em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade - terá o efeito de confirmar a validade jurídica da espécie em questão, preservando-lhe a integridade normativa, ensejando-lhe a conservação no sistema de direito positivo e viabilizando-lhe a integral aplicabilidade”.
Nessa mesma linha, o RE 500.306-ED/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, cuja ementa segue transcrita:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO - RESSARCIMENTO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) - ART. 32 DA LEI Nº 9.656/98 - CONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA CAUTELAR APRECIADA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO IMEDIATO DE OUTRAS CAUSAS, VERSANDO O MESMO TEMA, PELAS TURMAS OU JUÍZES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, COM FUNDAMENTO NO ‘LEADING CASE’ - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. A DENEGAÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR, EM SEDE DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO, NÃO IMPEDE QUE SE PROCEDA AO JULGAMENTO CONCRETO, PELO MÉTODO DIFUSO, DE IDÊNTICO LITÍGIO CONSTITUCIONAL. - A existência de decisão plenária, proferida em sede de controle normativo abstrato, de que tenha resultado o indeferimento do pedido de medida cautelar, não impede que se proceda, desde logo, por meio do controle difuso, ao julgamento de causas em que se deva resolver, ‘incidenter tantum’, litígio instaurado em torno de idêntica controvérsia constitucional. Precedentes”.
No mesmo sentido, menciono, ainda, os seguintes precedentes: RE 219.146/RN e RE 224.835/RN, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; AI 761.990- AgR/GO, de minha relatoria. Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.
(STF, RE 643213 AgR, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 05/06/2012)

Por outro lado, quanto à alegação de que não existe decisão de mérito proferida na ADI 1. 931-MC, este Tribunal fixou o entendimento no sentido de que "[m] esmo que se cuide, portanto, de juízo cautelar negativo, resultante do indeferimento do pedido de suspensão provisória da execução do ato impugnado, ainda assim essa deliberação proferida em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade - terá o efeito de confirmar a validade jurídica da espécie em questão, preservando-lhe a integridade normativa, ensejando-lhe a conservação no sistema de direito positivo e viabilizando-lhe a integral aplicabilidade" [RE n. 366.133-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 15.8.03]. (RE 597261 AgR, Relator(a): Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 23/06/2009)

Por outro lado, quanto à alegação de que não existe decisão de mérito proferida na ADI 1.931-MC, este Tribunal fixou o entendimento no sentido de que "[m]esmo que se cuide, portanto, de juízo cautelar negativo, resultante do indeferimento do pedido de suspensão provisória da execução do ato impugnado, ainda assim essa deliberação proferida em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade - terá o efeito de confirmar a validade jurídica da espécie em questão, preservando-lhe a integridade normativa, ensejando-lhe a conservação no sistema de direito positivo e viabilizando-lhe a integral aplicabilidade" [RE n. 366.133-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 15.8.03]. (RE 488026 AgR, Relator(a): Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 13/05/2008)

          É certo que existem precedentes do STF negando efeito vinculante para decisões que negam liminar em ADI, mas todos estão circunscritos a um evento específico: a ADI 2.797, que trata do foro privilegiado para algumas autoridades. Reclamações por descumprimento da liminar dessa ADI foram indeferidas porque a negativa da cautelar ocorreu por razões processuais e também porque, quando formuladas as reclamações, o mérito da ADI já havia sido julgado.

          Por fim, por já haver pronunciamento do plenário do STF sobre a questão, ela não poderia sequer ter sido submetida à Corte Especial do Tribunal Regional. É o que dispõe o CPC/2015, art. 949, parágrafo único:

Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

          Portanto, a Corte Especial que julgou o incidente contrariou frontalmente CPC/2015, art. 949, parágrafo único.
         
Quebra de isonomia?

Aumentar a renda de benefícios previdenciários por alegada ofensa ao princípio da isonomia é algo arriscado. Mais arriscado ainda quando se invoca a isonomia na fórmula “tratar diferentes de modo diferente”. Ora, todas as pessoas são diferentes das outras em alguma característica. Compete justamente às escolhas democráticas valorar o elemento que caracteriza cada grupo destinatário de cada norma. E justamente por isso o abuso na aplicação do princípio da isonomia é algo extremamente antidemocrático.

Pois bem, a Constituição, diretamente, escolheu o tempo de contribuição/serviço exclusivo como elemento a ser privilegiado na aposentadoria dos professores e professoras. Tempo exclusivo porque, diferentemente dos trabalhadores sujeitos a condições prejudiciais à saúde, que podem converter pequenos intervalos de tempo especial em comum, o professor não pode converter o tempo trabalhado: ou permanece vinte e cinco ou trinta anos na atividade de professor, ou esse tempo conta de forma simples. Esses detalhes demonstram que a Constituição valorizou a permanência por longo prazo na atividade de professor, e, como forma de valorização, autorizou a aposentadoria com tempo menor. Bem diferente do trabalhador exposto a condições prejudiciais à saúde, ao qual, ao contrário do professor, é vedada a permanência na mesma atividade depois de certo tempo (Lei n. 8.213/1991, art. 57, § 8º).

Exceções e privilégios devem ser interpretados restritivamente. Em momento algum a Constituição ou a lei conferiram ao professor o direito de aposentar-se mais jovem que os demais trabalhadores. Raciocínios morais poderiam afirmar que isso é o certo, em detrimento das escolhas e direitos da coletividade que custeia o benefício. Mas o privilégio do professor foi concedido por uma Constituição democrática. Não fosse assim, sequer ele existiria. E essa mesma Constituição definiu em que consiste o direito.

O argumento da ladeira escorregadia algumas vezes é aceitável e este parece ser o caso. O fator previdenciário foi afastado da aposentadoria de professor para igualá-la, nesse aspecto, à aposentadoria especial. Também foi afastado para diferenciá-la, nesse aspecto, da aposentadoria comum. As duas faces do princípio da isonomia foram invocadas. Com base em semelhante critério, as seguradas do sexo feminino poderiam pedir o fastamento do fator previdenciário da sua aposentadoria por tempo de contribuição, por isonomia com o professor do sexo masculino, pois para ambos o tempo de contribuição exigido é o mesmo (trinta anos). Em seguida, os aposentados comuns por tempo de contribuição poderiam pedir que o fator previdenciário lhes fosse facultativo, por isonomia com os aposentados por idade. E os homens poderiam pedir para se aposentar com o mesmo tempo de contribuição ou com a mesma idade que as mulheres, afinal, a discriminação é antiisonômica. Logo depois, os trabalhadores sujeitos a condições prejudiciais à saúde defenderiam o direito à aposentadoria proporcional, dizendo-se discriminados em relação ao trabalhador comum. Ao final, a igualação entre diferentes levaria a novos pedidos de diferenciação e a diferenciação entre iguais levaria a novos pedidos de igualação, até chegar a um ponto no qual todos receberiam o máximo possível com o mínimo possível de contribuições e com a menor idade possível. Algum sistema previdenciário seria viável nessas condições? É evidente que não. Precisamente por isso essas escolhas competem ao Legislativo.

O Supremo Tribunal Federal percebeu, desde cedo, a armadilha, e editou a Súmula 339, em 1963. Atualmente, o entendimento foi convertido em Súmula Vinculante:

Súmula Vinculante n. 37/STF: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.

É claro que os benefícios previdenciários não são “vencimentos de servidores públicos” mas, da mesma forma que esses, são pagos pelos cofres públicos e custeados por toda a sociedade. Por essa razão, sua majoração depende de Lei, pena de violar o princípio da separação de poderes (CRFB/1988, art. 2º e art. 60, § 4º, III). O STF aplica esse entendimento aos benefícios previdenciários:

Cumpre assinalar, ainda, por necessário, que não se revela constitucionalmente possível, ao Poder Judiciário, sob fundamento de isonomia, estender, em sede jurisdicional, majoração de benefício previdenciário, quando inexistente, na lei (como sucede na espécie), a indicação da correspondente fonte de custeio total, sob pena de o Tribunal, se assim proceder, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 143/57 – RTJ 153/765 – RTJ 161/739-740 – RTJ 175/1137, v.g.), transgredindo, desse modo, o princípio da separação de poderes.

É que a majoração de benefícios previdenciários, além de submetida ao postulado da contrapartida (CF, art. 195, § 5º), também depende, para efeito de sua veiculação, da observância do princípio da reserva de lei. (STF, RE 567360 ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 09/06/2009, trecho do voto)

Conforme visto, a invocação da isonomia não pode servir de fundamento para que o magistrado eleja o critério de identificação ou de distinção que bem entender, especialmente quando se trata de prestações positivas do Estado, que são custeadas por toda a coletividade. A coletividade tem seus representantes no Congresso Nacional justamente para fazer esse tipo de escolha. 

Jurisprudência do STF e STJ

A jurisprudência superior sobre o tema pode ser assim sistetizada: o STF entende que o fator previdenciário é constitucional e que a aplicabilidade do fator previdenciário na aposentadoria de professor constitui questão infraconstitucional. E o STJ, tribunal com competência para uniformizar a interpretação da lei federal, entende que o fator previdenciário é aplicável.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. PROFESSOR. FATOR PREVIDENCIÁRIO. INCIDÊNCIA. QUESTÃO QUE DEMANDA ANÁLISE DE DISPOSITIVOS DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. 1. A incidência do fator previdenciário no cálculo da renda mensal inicial do benefício de aposentadoria especial de professor, quando sub judice a controvérsia, revela uma violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional, o que torna inadmissível o recurso extraordinário. Precedentes: AI 689.879-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 26/9/2012 e o ARE 702.764-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 4/12/2012. 2. In casu, o acórdão recorrido manteve a sentença, por seus próprios fundamentos, a qual dispôs: “A aposentadoria dos professores não se confunde com a aposentadoria especial prevista no regime geral de previdência social. As normas constitucionais e infraconstitucionais existentes, no caso dos professores, tratam apenas de aposentadoria por tempo de serviço de caráter excepcional, assim como faz também, por exemplo, com a aposentadoria por idade do segurado especial. Verifica-se, assim, que a lei compensa, com o acréscimo de cinco anos para o professor e de dez anos para a professora, as reduções de tempo de contribuição em relação à aposentadoria comum, com trinta e cinco anos. Portanto, tendo a lei tratado as peculiaridades das diferentes aposentadorias de forma diversa, de modo a corrigir as distorções que poderiam ser causadas pela aplicação pura e simples do fator previdenciário, não sendo punido com a aplicação de um fator maior aquele professor ou professora que exercer seu direito de aposentadoria com tempo reduzido em relação aos demais trabalhadores, não foi ferido o princípio isonômico”. 3. Agravo regimental DESPROVIDO. (ARE 718275 AgR, Relator(a):  Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 08/10/2013)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. FATOR PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 29, I, DA LEI N. 8.213/1991. ADI-MC 2.111. 1. O Supremo Tribunal Federal já assentou, no julgamento da ADI-MC 2.111, a constitucionalidade do fator previdenciário previsto no art. 29, I, da Lei 8.213/1991, com a alteração dada pela Lei 9.876/1999. 2. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que, com o advento da EC 20/1998, os critérios para o cálculo de benefícios previdenciários são de competência do legislador ordinário. Desse modo, eventual divergência em relação ao entendimento adotado pelo juízo a quo, demandaria a análise da legislação infraconstitucional aplicável à espécie. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 945291 AgR, Relator(a):  Min. Edson Fachin, Primeira Turma, julgado em 21/06/2016)

... 2. Conforme asseverado na decisão agravada, incide o fator previdenciário no cálculo do salário de benefício da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição de professor quando a segurada não tiver tempo suficiente para a concessão do benefício anteriormente à edição da Lei 9.876, de 1999, como no presente caso, conforme asseverado pelo Tribunal a quo. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1527888/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/10/2015, DJe 09/11/2015)

No mesmo sentido: REsp 1423286/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 20/08/2015, DJe 01/09/2015.

Conclusão

Não se defende aqui a quebra da isonomia ou a edição de leis arbitrárias, destituídas de finalidade. Mas qualquer discussão que vá além da igualdade perante a lei, e busque a igualdade real, envolve uma infinidade de pontos de vista possíveis. Não é à toa que Carlos Roberto de Siqueira Castro chama essa discussão de “tormento de todo regime político”. Por isso, quando se trata de anular escolhas do legislador, é necessário que a violação da isonomia seja clara, livre de dúvidas, afastada do viés meramente ideológico. No caso da aposentadoria dos professores, não parece haver qualquer discriminação. De fato, eles contam com uma aposentadoria em condições privilegiadas. Sequer haveria necessidade de ser assim (nenhuma invocação da isonomia levaria à criação de tal norma privilegiadora). Mas uma Constituição democrática assim quis e a mesma Constituição privilegiou exclusivamente o elemento tempo de contribuição. Como consequencia, a elevada expectativa de vida e a idade reduzida contam negativamente também para os professores, como para a grande maioria dos aposentados.    









[1] O trecho que diz que a negativa da liminar “não impede o julgamento de outros processos sobre idêntica controvérsia” consta apenas porque eram comuns pedidos de suspensão dos processos individuais até que fosse julgada definitivamente a ADI. O Supremo decidiu que não deveriam ficar suspensos.

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