quinta-feira, 10 de outubro de 2019

COM QUE IDADE O TITULAR DE PRETENSÃO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO PASSA A ESTAR SUJEITO AOS PRAZOS PRESCRICIONAIS?

A questão da fluência dos prazos prescricionais no Direito Previdenciário envolve discussão sobre o alcance de dois artigos da Lei n. 8.213/1991:

Art. 79. Não se aplica o disposto no art. 103 desta Lei ao pensionista menor, incapaz ou ausente, na forma da lei. (Revogado em 18/01/2019)

Art. 103. [...] Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.

A data de início do prazo prescricional (ou final do impedimento do prazo prescricional) tem relevância (a) para o recebimento de parcelas em atraso, que eram devidas mas não foram pagas à época própria; e (b) também para retroação do início da pensão, conforme regras estabelecidas no art. 74 da Lei n. 8.213/1991: da data do óbito ou da data de requerimento, se requerido dentro de 30 dias ou após 30 dias contados do óbito (atualmente 180 dias), respectivamente.

O prazo para requerimento (atualmente 180 dias), que gera o direito de receber a pensão desde o óbito, não era entendido pelo INSS como um prazo prescricional. Tratava-se, entendia o INSS, de simples regra sobre a data de início do benefício (DIB) de pensão, da mesma forma que existem regras que definem a DIB de todas as demais espécies de benefícios. Conforme o Código Civil, diploma que contém as normas basilares sobre a prescrição no direito brasileiro, “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição” (art. 189). Ora, não ocorre qualquer violação de direito na não-implantação de benefício antes do requerimento pelo interessado, pois não existe norma que o determine. Aliás, não existe nem mesmo norma que o permita. De toda forma, não cabe um desenvolvimento maior do tema, pois diante das reiteradas manifestações dos tribunais no sentido de que os prazos do art. 74 têm natureza prescricional e, portanto, não correm contra certas pessoas definidas na lei civil, o INSS adequou seus normativos ao entendimento jurisprudencial, inclusive como forma de prevenir litígios.

Trata-se, portanto, de saber se a idade na qual começam a contar os prazos prescricionais do Direito Previdenciário é a de 16 anos ou a de 18 anos.

A Lei n. 8.213/1991, nos seus artigos 79 e 103, não primou pela precisão. “Menores” podem ser os menores de 16 (CC art. 3º) ou os menores de 18 (CC art. 4º, I). “Incapazes” podem ser os absolutamente incapazes (art. 3º) ou os relativamente incapazes (art. 4º). “Ausentes” podem ser os “ausentes do País em serviço público” (CC art. 198 II) ou os desaparecidos, previstos no CC anterior como absolutamente incapazes, mas no CC/2002 como presumidamente mortos (art. 6º). É certo que o art. 5º do CC/2002 diz que a “menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”, mas esse artigo está se referido apenas à menoridade remanescente depois de cessada, logicamente, a menoridade relativa aos 16 anos. Como se sabe, existem diferentes menoridades (eleitoral, penal, civil ...). No que se refere à prescrição, a menoridade que interessa cessa aos 16 anos (art. 198 do CC/2002).

Poderia ser diferente na lei previdenciária? Sim, poderia, mas seria, no mínimo, necessária uma ressalva expressa à regra do Código Civil. A lei previdenciária não fez ressalvas e nem contém qualquer indicativo de que estaria adotando critério diverso daquele do Código Civil. Pelo contrário, no art. 103 remete explicitamente ao Código Civil. E o art. 79, atualmente revogado, remetia ao art. 103.

Há que se interpretar as normas de forma sistemática, a fim de dar alguma coerência ao ordenamento. Inclusive para admitir outros casos de impedimento da prescrição que nem sequer estão expressos na lei previdenciária, como o dos “que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra” (CC, art. 198, III).

 Aqui vale a lição de Pietro Perlingieri:

A questão não reside na disposição topográfica (códigos, leis especiais), mas na correta individuação dos problemas. A tais problemas será necessário dar uma resposta, procurando-a no sistema como um todo, sem apego à preconceituosa premissa do caráter residual do código e, por outro lado, sem desatenções às leis cada vez mais numerosas e fragmentadas. [...] O trabalho de reconstrução do sistema, mediante a interpretação, faz-se sempre mais difícil por causa da instabilidade e contraditoriedade das opções de política do direito e pela variabilidade dos conteúdos das regulamentações dos institutos jurídicos, pelo uso pouco prudente, freqüentemente descuidado e inadequado, das técnicas legislativas. (Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil, 1997, p. 6 e 24)

Analisemos o sistema. A prática de ato jurídico exige agente capaz. Agente capaz é o sujeito dotado de capacidade. A capacidade pode classificar-se de dois modos: quanto à natureza e quanto à extensão. Quanto à natureza, classifica-se em de direito e de fato. A capacidade de direito é a capacidade de gozo, atributo da personalidade, o que não quer dizer que todos tenham todos os direitos. Certas pessoas não podem ter certos direitos. A capacidade de fato ou de exercício é a que permite à pessoa, por si mesma, levar a efeito o uso e gozo de diversos direitos. Essa capacidade está sujeita a muitas limitações. O Código Civil trata da capacidade estabelecendo as hipóteses de sua ausência, isto é, os casos de incapacidade.

A ordem jurídica priva certas pessoas do exercício por si dos direitos, estabelecendo incapacidades. (Orlando Gomes, Introdução ao Direito Civil, p. 129).
           
Quanto à extensão da incapacidade, ela se classifica em absoluta e relativa.

A incapacidade absoluta só pode ser de fato (também dita de exercício), pois sempre que há personalidade há um mínimo de capacidade de direito. A incapacidade absoluta, portanto, é o impedimento total para o exercício pessoal dos atos da vida civil.

A incapacidade relativa refere-se apenas a “certos atos ou à maneira de os exercer”.

Mesmo que os relativamente incapazes não possam praticar pessoalmente certos atos, o Código Civil não os excepciona dos efeitos da prescrição (ver CC art. 198).

Diversamente, os absolutamente incapazes, em razão do impedimento total para os atos da vida civil, têm seus direitos resguardados da prescrição (ver CC art. 198).

Tendo essas noções presentes, pode-se tratar do instituto da prescrição. Conforme ensina Pontes de Miranda, o instituto da prescrição "serve à segurança e à paz públicas" (Tratado de Direito Privado T. VI, 1970, § 662). Sendo esse o objetivo da existência de prazos prescricionais, a possibilidade de exercício da pretensão e o início do prazo prescricionalsão fatos correlatos, que se correspondem como causa e efeito” (nas palavras de Agnelo Amorim Filho, Critério científico ..., 1961). Em outras palavras, para que o prazo prescricional tenha início, é necessário que o titular da pretensão tenha capacidade de exercê-la. Tendo capacidade para exercer a pretensão (capacidade de fato), a inércia pelo prazo previsto em lei acarreta a prescrição.

Com essas noções básicas, cabe perguntar: o maior de 16 anos tem capacidade de exercer pessoalmente seus direitos junto à Previdência? Sem dúvida! Com 16 anos de idade, o segurado ou dependente é totalmente capaz para, por conta própria, requerer benefícios e receber os pagamentos, sem necessitar de representação ou assistência por quem quer que seja. Confira-se:

INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 77 /PRES/INSS, DE 21 DE JANEIRO DE 2015

Art. 512. [...] Parágrafo único. O titular do benefício, após dezesseis anos de idade, poderá receber o pagamento independentemente da presença dos pais ou tutor.

Art. 673. [...] § 2º O segurado e o dependente, maiores de dezesseis anos de idade, poderão firmar requerimento de benefício, independentemente da presença dos pais ou tutor, observando que seus pais ou tutor poderão representá-los perante a Previdência Social até a maioridade civil, ou seja, dezoito anos.

Note-se: na lei civil, a prescrição corre contra o relativamente incapaz (o maior de dezesseis), mesmo que este não tenha capacidade de fato para exercer todos os seus direitos. Na lei previdenciária, o maior de dezesseis (relativamente incapaz) possui capacidade plena para o exercício de seus direitos previdenciários. Isto é, os direitos previdenciários estão entre aqueles que ele pode exercer diretamente. Logo, não faria sentido algum que a prescrição não corresse contra esse segurado ou dependente. Não há como justificar o impedimento da prescrição em razão da idade quando o agente possui capacidade de fato para exercer a pretensão. Essa compreensão torna claro que, quando o art. 103 (e o antigo art. 79) da Lei n. 8.213/1991 fala em “menor” está se referindo ao menor de 16 anos absolutamente incapaz (não emancipado).

Na jurisprudência, há julgados nos dois sentidos (16 ou 18 anos). Cito alguns julgados recentes que adotam o marco dos 16 anos de idade:

[...] 1. O recorrente afirma que houve, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos arts.198 do CC/2002; 74, I, 79 e 103, parágrafo único, da Lei 8.213/1991. Sustenta que "A questão cinge-se à possibilidade de a parte autora, menor de idade, receber as diferenças da pensão por morte, compreendida entre a datado óbito e a data da implantação administrativa, considerando ter requerido a concessão do benefício após o prazo de trinta dias". 2. O acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça quando afirma que a DIB coincide com o óbito do segurado, não correndo a prescrição contra o absolutamente incapaz, no caso o menor de 16 anos, e que, com o implemento dos 21 anos, tornam-se automaticamente prescritas apenas as parcelas não reclamadas há mais de cinco anos, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. [...] (REsp 1797573/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 19/06/2019)

[...]. 2. Consigne-se que, em se tratando de absolutamente incapaz, não há falar em aplicação do disposto no art. 28 da Lei 3.765/1960, o qual prevê a prescrição das parcelas vencidas há mais de 5 anos da interposição do processo judicial, uma vez que o menor não poderia ser penalizado pela eventual desídia de seu responsável. Logo, não corre a prescrição contra menores impúberes (inteligência do artigo 198, inciso I do Código Civil de 2002, c.c. artigo 103, parágrafo único, da Lei 8.213/1991). [...] (REsp 1697648/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 19/12/2017)

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO ABSOLUTAMENTE INCAPAZ À ÉPOCA DO FALECIMENTO DO GENITOR. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO POSTERIOR À RELATIVIZAÇÃO DA INCAPACIDADE. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DO ÓBITO DO GENITOR. 1. Em se tratando de menor absolutamente incapaz à época do falecimento do pai, milita em seu favor cláusula impeditiva da prescrição (art. 198, I, do CC). [...]. (AgInt no REsp 1572391/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 07/03/2017)

[...] 2. Não corre prescrição contra o menor absolutamente incapaz, não se lhe podendo aplicar, dest'arte, a regra do art. 74, II da Lei 8.213 /91, sendo, portanto, devido o benefício de pensão por morte aos dependentes menores desde a data do óbito do mantenedor. Precedentes: AgRg no Ag 1.203.637/RJ, 5T, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe 3.5.2010; REsp. 1.141.465/SC, 6T, Rel. Min. ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (Desembargadora Convocada do TJ/PE), DJe 06.02.2013. 3. Agravo Regimental do INSS desprovido. (AgRg no AREsp 269.887/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 21/03/2014)

AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. REINCLUSÃO DE EX-POLICIAL MILITAR POST MORTEM. PENSÃO. MENOR IMPÚBERE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. AFRONTA AO ART. 165 DO CÓDIGO CIVIL. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Sendo o Autor absolutamente incapaz, em face da sua menoridade, resta configurada causa impeditiva da fluência do prazo prescricional, nos termos do art. 198, inciso I, do atual Código Civil (antigo art. 169, inciso I, do Código Civil de 1916). Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1203637/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/04/2010, DJe 03/05/2010)

PREVIDENCIÁRIO – PENSÃO POR MORTE – REQUERIMENTO – PRAZO SUPERIOR A 30 (TRINTA) DIAS – PRESCRIÇÃO – PARCELAS DEVIDAS DA DATA DO REQUERIMENTO – ART. 74, II DA LEI Nº 8.213/91 – MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ – INAPLICABILIDADE – PENSÃO DEVIDA A PARTIR DO ÓBITO – INCIDENTE PROVIDO. 1) A prescrição é a perda de uma pretensão em razão de sua não exigência no prazo legalmente estabelecido. A ausência de exigência do benefício de pensão por morte no prazo fixado em lei (até 30 dias após o óbito), leva à perda da pretensão respectiva, no que se refere às parcelas pretéritas, evidenciando, aí, a perda decorrente da prescrição. 2) O fato de não haver na norma que fixa aquele prazo qualquer referência aos incapazes, outorgando-lhes um tratamento diferenciado, não significa para o intérprete desconsiderar a interconexão dela com as demais que integram o sistema. 3) Diante da evidente natureza jurídica prescricional, é certa a impossibilidade do curso do prazo previsto no art. 74 da Lei nº 8.213/91, em relação aos incapazes. Incidência do art. 169, I, c/c o art. 5º, I do Código Civil de 1916. 4) Pedido de Uniformização provido. (TNU, 200638007463304, JUIZ FEDERAL RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA, DJ 13/05/2010)

[...] Tratando-se os autores de menores absolutamente incapazes, fazem eles jus ao recebimento do benefício de pensão por morte de seu genitor a contar da data do óbito, uma vez que não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. [...]. (TRF4, AC 5008294-70.2016.4.04.7202, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos autos em 03/07/2019)

[...] 3. A Lei de Benefícios remete ao Código Civil o critério de fluência da prescrição, no caso de direito de menores, incapazes e ausentes. O Código Civil de 2002, em seus artigos 3º, II, e 198, I, impedia a fruição do prazo prescricional contra os absolutamente incapazes, reconhecendo como tais aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tivessem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil. 4. A Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) alterou a norma antes referida e manteve apenas como absolutamente incapazes os menores de 16 anos. [...]. (TRF4, AC 5058114-44.2014.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 21/06/2019)

Concluo, em razão do exposto, que o prazo prescricional para o exercício de qualquer pretensão previdenciária somente se inicia quando seu titular adquire capacidade de exercê-la, fato que ocorre aos dezesseis anos de idade ou com a emancipação, o que ocorrer primeiro.

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