domingo, 30 de setembro de 2018

AUSÊNCIA DE EFEITO VINCULANTE DO ACÓRDÃO EM IRDR ANTES DE JULGADOS O RECURSO ESPECIAL E O EXTRAORDINÁRIO OU DO TRÂNSITO EM JULGADO SEM A INTERPOSIÇÃO DESSES RECURSOS

As decisões de mérito em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) não têm efeito vinculante antes de apreciado o mérito do Recurso Especial (RESP) e do Recurso Extraordinário (REXT), quando interpostos. Esses recursos têm efeito suspensivo por força de lei, no caso de IRDR.

Art. 987.  Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.
§ 1o O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.
§ 2o Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.

Em caso de recurso contra acórdão de IRDR, o efeito suspensivo é automático, ex lege, independente do preenchimento de condições nem de atribuição pelo relator. Não se trata de simples possibilidade de efeito suspensivo. O texto é taxativo: “o recurso tem efeito suspensivo”. O efeito suspensivo somente depende de decisão do relator nos demais Recursos Especiais ou Extraordinários, diferentes de IRDR, conforme previsão do CPC/20015, art. 1.029, § 5º. 

Não se deve confundir (a) o efeito suspensivo do recurso excepcional contra o acórdão do IRDR, que é automático e suspende efeitos, mas não suspende a tramitação, com (b) o pedido de suspensão dos processos em que se discute a mesma questão. A previsão do art. 1.029, § 4º, refere-se exclusivamente ao pedido, para o STF ou STJ, de suspensão de processos em razão da tramitação de IRDR. Depois de esgotado o período de suspensão dos processos previsto no art. 982 (um ano), estes voltam ao seu trâmite normal e a interposição de Recurso Especial ou Extraordinário nos autos do IRDR não interfere em seu andamento, a menos que requerida a suspensão de processos ao tribunal superior ao qual tenha sido dirigido o recurso em IRDR.  

Retornemos ao recurso nos autos do IRDR. Quais são os efeitos do acórdão do IRDR entre a data da decisão e a da interposição do recurso? Quando é cabível recurso que, por lei, tem efeito suspensivo, a decisão nasce sem eficácia. É lição doutrinária clássica, também aplicável na vigência do Novo CPC. Cabe citar:

[A] expressão "efeito suspensivo" é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso. (BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, 2004, p. 257).

Como bem apontado pela melhor doutrina, a afirmação de que o recurso tem efeito suspensivo não pode ser considerada correta, porque na realidade não é o recurso que suspende a eficácia da decisão, mas sim sua recorribilidade, ou seja, a mera previsão de um recurso que tenha como regra efeito suspensivo. Havendo a previsão em lei de recurso a ser “recebido com efeito suspensivo”, a decisão recorrível por tal recurso já surge no mundo jurídico ineficaz, não sendo a interposição do recurso que gera tal suspensão, mas a previsão legal de efeito suspensivo. O recurso, nesse caso, uma vez interposto, prolonga o estado inicial de ineficácia da decisão até seu julgamento. Essa é a razão pela qual não se admite execução provisória de sentença no prazo de interposição do recurso de apelação, porque, sendo esse recurso recebido no efeito suspensivo (art. 1.012, caput, do Novo CPC), dever-se-á aguardar o transcurso do prazo, sendo certo que a interposição da apelação continuará a impedir a geração de efeitos da sentença até o seu final julgamento, ao passo que a não interposição produz o trânsito em julgado, com a liberação de seus efeitos.
A regra se aplica também em sentido contrário, ou seja, caso o recurso previsto em lei não tenha previsão de efeito suspensivo, a decisão surge no mundo jurídico - com sua publicação - imediatamente gerando efeitos, independentemente de se ainda estar em trâmite o prazo recursal. (NEVES, Daniel, Novo Código de Processo Civil Comentado, 2016, p. 1637)

Note-se que a previsão de recurso com efeito suspensivo indica claramente que a decisão em IRDR precisa ser definitiva para ser vinculante. É possível chegar a essa conclusão pela simples constatação de que, nos casos comuns (não IRDR), o RESP e o REXT não têm efeito suspensivo automático (art. 1.029 § 5º). Por que no caso do IRDR têm? Certamente não é por uma preocupação com o caso individual no qual se originou o incidente (ou com os demais casos individuais com a mesma questão), mas sim com a formação de tese vinculante. Os recursos com efeito suspensivo (ou sua mera previsão) privilegiam a segurança que deve acompanhar a formação de precedentes vinculantes, vez que estes são uma exceção no sistema processual brasileiro.

Na verdade, o ideal seria que apenas as decisões dos tribunais superiores pudessem vincular os órgãos das instâncias ordinárias, especialmente porque também nos processos coletivos (muitas vezes com efeitos nacionais) é preciso respeitar o efeito vinculante regional ou estadual. Mas a lei não é essa.

Por fim, cabe lembrar que a ausência de efeito vinculante (por pendência de recurso em IRDR) não quer dizer que o Juiz esteja impedido de invocar o IRDR como precedente e seguir sua conclusão. Ele só não está obrigado a tanto.

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