sábado, 24 de julho de 2010

CARACTERIZAÇÃO DA SENTENÇA JUDICIAL OBSCURA

A obscuridade é a qualidade daquilo que é de difícil ou impossível compreensão. A clareza e a obscuridade definem-se com base na acessibilidade do significado. A sentença judicial pode conter uma certa dose de obscuridade, sem que isso viole as exigências do direito nos casos particulares (Ver ENDICOTT, Vagueness in law, p. 197). Apesar de alguma imprecisão e da necessidade de posterior individuação do bem ou fixação da quantia, o texto das sentenças costuma conter elementos suficientes para interpretações razoáveis e confiáveis, que não surpreendam as partes. A dependência de liquidação e a dependência de interpretação coadunam-se perfeitamente com importantes deveres dos juízes: interpretar e tornar líquida a sentença. Mas há casos patológicos, nos quais há um insuperável fracasso comunicativo. O entendimento do que seja a ausência de significado é mais intuitivo do que teórico. Creio mesmo que seria impossível realizar uma explicação teórica completa desse fenômeno. Em vez disso, proponho-me a apresentar um modelo pragmático de caracterização da sentença obscura.
Conforme Marcelo Dascal, “o conceito pragmático da clareza é o reverso do conceito pragmático da dúvida (razoável)” (DASCAL, Interpretação e compreensão, p. 360). Uma sentença judicial é clara se, para fins práticos, não gera dúvidas razoáveis. Para chegar a essa constatação, em um caso concreto, inicia-se pela interpretação lato sensu (i.e. compreensão de qualquer signo linguístico). Nesse ponto, deve-se fazer o seguinte teste: “há alguma razão para se pensar que o sentido do texto não é o que se entende à primeira vista?” Se a resposta for negativa, então o texto está na situação de isomorfia e a interpretação em sensu stricto (i.e. interpretação de expressões de sentido difícil) não tem lugar. Segue-se a aplicação. Se a resposta for positiva, então é necessário fazer a interpretação sensu stricto. Examinam-se as diversas possibilidades interpretativas até chegar a uma em que a resposta à pergunta inicial seja negativa, isto é, até que não haja mais razão para pensar que o sentido do texto seja outro.

"Embora o círculo ou espiral da interpretação nunca chegue a um ponto final absoluto, ele prossegue de maneira suficientemente ordenada e convergente para fornecer uma base que – embora não seja completamente certa – é suficientemente sólida para todos os fins práticos." (DASCAL, Interpretação e compreensão, p. 360)

Contudo, se a interpretação sensu stricto falhar, isto é, se não for possível alcançar a resposta negativa à pergunta inicial, então se faz necessário um genuíno ato criativo. Esse é o caso patológico, no qual ocorre um insuperável fracasso comunicativo. Em outras palavras, chega-se à constatação pragmática de que uma sentença não admite interpretação quando qualquer sentido que se lhe atribua resulte de um genuíno ato de criação, entendido como tal aquele que não pode ser obtido, sem a deflagração de dúvidas razoáveis, a partir do texto da sentença.

REFERÊNCIAS

DASCAL, Marcelo. Interpretação e compreensão. Trad. Marcia Heloisa Lima da Rocha. São Leopoldo: Unisinos, 2006. ISBN 978-85-7431-275-0.

ENDICOTT, Timothy A. O. Vagueness in law. Oxford [England]; New York: Oxford University Press, 2000. ISBN 978-0-19-826840-6.

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